Comer leitão e satélites

|Tânia Rei|
Este fim-de-semana estive fora, em trabalho. Dois dias longos que valeram a pena, mas, como em tudo o que envolve empreendimento humano, o cansaço do corpo acaba por dar de si.

Já com um horário entradote, descobrimos que o local que nos iria hospedar na noite que passámos fora tem uma placa luminosa vermelha (metade dela, outra metade está apagada) que diz “Satélite dos Leitões”. Parva, penso agora, já não tão cansada, por não ter perguntado o porquê deste nome.

Um satélite, seja natural, dos corpos celestes, ou artificial, não faz sentido apetrechado de um porco. Nem um porco daria grande utilidade a um satélite. E agora imaginei leitões a trabalharem em estações de meteorologia. Ou então uma Lua a orbitar em volta das orelhas de um suíno.

Perguntei se íamos comer leitão ao jantar. Responde a minha colega, assertivamente, que comer satélites seria impossível. É verdade. Também é verdade que não tínhamos leitão na ementa. Publicidade enganosa, no nosso caso.

Por outro lado, o que não falta é o que engolimos, no sentido figurado da coisa, e que não conseguimos digerir. Fica ali dentro do bucho, inchado, a ocupar um espaço passível de albergar um satélite.

Ficamos com as antenas do satélite a arranhar na garganta, quando o que queremos mesmo é espetar o dedo no ar e dizer umas quantas coisas, só para marcar uma posição.

Dizer o que se quer tem como consequência ouvir o que não se quer. Este é um dos ditados populares que não contesto. Cuspir alfinetes tem como retorno receber pregos. Atirar facas vai fazer com que nos lancem espadas. Uma bomba? Preparem-se! Do outro lado podem estar armas nucleares ou biológicas.

Então, optamos por permanecer calados, com uma figura alarve, fruto de tudo o que queríamos dizer, tudo o que queríamos perguntar, de todos os dedinhos que queríamos espetar em certos e determinados narizes irritantes. “Olha lá, meu menino (…)”, começaríamos, se pudéssemos. Pararíamos quando percebêssemos o potencial de música pimba deste arranque promissor. Porém, teria o mesmo efeito que uma pastilha Rennie.

Dizemo-nos sinceros, destemidos. Apregoamos que, morrêssemos nós agora, e não teríamos deixado nada por dizer, porque somos daquele grupo (que não existe) que abre a boca e liberta o que lhe passa no cérebro. Isso não é sinceridade, é ingenuidade e verborreia, e não transmite o que de facto pensamos. Apenas se trata de debitar ideias desconexas e de difícil assimilação. É perigoso. Além do mais, ninguém precisa, nem quer, saber tudo o que pensamos.

Agora, façam é o favor de não andarem tão empertigados com tudo aquilo que guardam num tupperware mental. Pelo que me toca, tenho esperança que, em breve, alguém invente um remédio contra a azia de quem tem tanto para dizer e perguntar (#estamosjuntos).

“Satélite” tem mais significados, pois claro. Um deles designa quem depende de outro. A ser satélite, que seja das nossas vontades. Vontades para combater a azia de quem tem tanta palavra acumulada que parece que papou um satélite do tamanho do Sputnik, sem que lhe tenha sabido a leitão.

www.CodeNirvana.in

© Autorizada a utilização de conteúdos para pesquisa histórica Arquivo Velho do Noticias do Nordeste | TemaNN