Banhada

|Hélio Bernardo Lopes|
Há, na vida de cada um de nós, momentos desagradáveis. Por vezes, mesmo banhadas. E um desses momentos, que os portugueses mais atentos puderam viver, foi o diálogo entre João Soares e certo embaixador itinerante de Angola, que é também académico em Lisboa e no seu país. Uma banhada que, em boa hora, a RTP 3 e Ana Lourenço se determinaram a proporcionar-nos.

Em primeiro lugar, Ana Lourenço esteve longe da qualidade que é a sua e a que nos habituou. Ao embaixador colocava questões, muitas vezes mal suportadas, mas que se podem considerar como simpática e educadamente agressivas. Em contrapartida, a João Soares nem uma só dessas questões, antes e apenas temas a cuja resposta concedia um verdadeiro tempão.

Faltou a Ana Lourenço, entre tantas outras coisas, colocar a João Soares a razão de sempre ter apoiado um assassino e antigo colaborador do nosso Exército, numa ação concertada para enfraquecer os restantes movimentos que se batiam contra Portugal. Afinal, o homem dos madeireiros, com todas aquelas cartas já hoje divulgadas em obras de qualidade, que foi tudo e o seu contrário e que nunca hesitou em mandar matar os seus (supostos) adversários, sempre que conveniente, era o garantido bom líder para Angola, após o seu nascimento como Estado independente. Imaginam-se as limitações com que se movimentaria perante os seus antigos patrões, conhecedores de todo o seu passado...

Mas faltou, por igual, colocar a João Soares esta questão: de quem é a responsabilidade por estar África no estado que se conhece, tantas décadas depois do nascimento dos novos Estados independentes. E, por fim, não quis Ana Lourenço colocar a João Soares se realmente conhece que foram os Estados Unidos a fornecer, pelo canal adequado, a exata localização de Jonas Savimbi, quando se operou a sua morte. De tudo isto, por parte da moderadora, nem uma palavrinha simples, mesmo que meramente indicadora.

Apesar de tudo isto, o embaixador mostrou-se muito mais dominador da realidade ali tratada que João Soares, o que é natural. Este, sem pés nem cabeça, pretendia que, depois de séculos de presença portuguesa e de décadas de guerra fomentada pelos Estados Unidos e pela África do Sul do apartheid, sempre apoiando a UNITA e Savimbi – convém nunca esquecer que o PS alinhou sempre com a grande estratégia dos Estados Unidos –, tivessem hoje uma democracia – chamam-lhe assim...– como a que se vive em Portugal! Uma terrível desfaçatez!!

Por fim, aquelas duas falácias do tempo que corre. Um tempo sem moral, sem ética e quase já sem democracia, para mais no seio desta famigerada União Europeia, que Porfírio Silva diz ser a União Soviética, mas sem KGB. Por um lado, os trinta e sete anos de poder do Presidente José Eduardo dos Santos. O embaixador calou, com a verdade, esta falácia sempre brandida pela nossa grande comunicação social e pelos bem-pensantes que gostam de mostrar-se democratas, embora, ao fim de mais de quatro décadas, estejamos hoje em franca queda social, fruto, acima de tudo, da anterior Maioria-Governo-Presidente e das mil e uma concessões do PS, desde sempre, à Direita dos interesses. Por outro lado, o caso Luaty Beirão, sobre que, desta vez – finalmente!! – João Soares lá referiu que o tal livro ensina a dar golpes de Estado em admitidas não democracias. Mas já não referiu que o académico que escreveu o livro é reconhecido nos Estados Unidos como um homem da CIA. E não nos disse se também defende este mecanismo do tal livro para o Brasil de Temer.

Enfim, sem mais nem menos, de um modo que muitos considerariam inesperado, João Soares levou uma valente banhada, o que se encontra em fortíssima correlação com o modo inacreditável como exerceu as suas primeiras funções governativas em Portugal: um outro desastre. E já agora: porque não defendem João Soares e Ana Lourenço que também se revelem em Portugal os bens dos políticos e seus familiares, bem como a explicação de onde provieram tais bens? Quem levaria a mal? Ou já se esqueceram da tal inversão do ónus da prova – uma mina...–, ou da recente decisão do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa? E mesmo por fim: se João Soares apoia a Senhora contra Trump, nos Estados Unidos, em Angola apoia quem? Bom, também não disse...

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