Olhinho vesgo

|Hélio Bernardo Lopes|
As duas últimas edições do EXPRESSO trouxeram um amplo trabalho sobre o Arquivo Mitrokin e o que sobre colaboradores portugueses do KGB nele foi encontrado. O trabalho, porém, vem permitindo tirar conclusões que contêm alguns riscos. Passo a explicar.

Ninguém pode duvidar, desde que sobre o tema tenha pensado um mínimo, que Lisboa, na sequência da Revolução de 25 de Abril, e para mais com o tempo político mundial de 1974, não fosse um verdadeiro aquário de espionagem. Como teria de dar-se, aqui atuaram amplas equipas dos Estados Unidos, da Espanha, do Reino Unido, da Alemanha Federal e, naturalmente, da União Soviética e da RDA. De resto, adequado ao tempo, já assim se havia dado durante o segundo conflito mundial. Mais: chegou mesmo a ter lugar, na sede da PVDE, uma cena de tiros entre polícias pró-Aliados e pró-nazis. E mais ainda: com a devida adequação, o mesmo se deu em muitos outros Estados da Europa, embora, ao que sei, sem a cena de tiros.

O estranho da nossa grande comunicação social, bem como das academias, é que só se preocupam, de um modo muito geral, com a presença do KGB ou da STASI e mui rarissimamente com a CIA ou as suas congéneres anticomunistas.

Num outro domínio, é mui similar a situação: o que envolve as lojas maçónicas, a Opus Dei, a Rosa Cruz, etc.. Com exceção da obra, SALAZAR E A CONSPIRAÇÃO DA OPUS DEI, são muito raros os livros de qualidade e com real conteúdo sobre as ligações da Opus Dei à política e ao grande capital, para já não referir outros grupos católicos que intervêm de um modo secreto na vida nacional. Mais: falta uma boa obra, ampla e de real conteúdo, sobre o fenómeno da pedofilia no seio de estruturas da Igreja Católica em todo o mundo, bem como de outros grupos religiosos já conhecidos. Neste caso do KGB continua a discutir-se a ideia de uma culpabilidade do PCP por via de uma sua ligação àquele serviço secreto, sem se pensar, minimamente que seja, sobre as ligações de partidos, pessoas ou outras estruturas aos serviços secretos ocidentais.

Acontece que, ao contrário do propalado durante muito tempo, o PCP não se reduziu a um quase nada. Muito pelo contrário: é hoje uma das forças políticas nacionais que suportam a governação, situação que se tem constituído para a Europa de hoje e para os arrivistas que, saídos do Estado Novo, enchem hoje a boca com o já quase desaparecido Estado de Direito Democrático, num osso na garganta como o que matou o criador da Tosca.

Ao mesmo tempo, faltam estudos adequados sobre Wiriamu, sobre o caso doo Angoche, sobre a Aginter Press, sobre a ação da Gládio em Portugal, sobre o Bolama, sobre quem, na oposição democrática do tempo, esteve ligado à PIDE na morte de Humberto Delgado e sobre o atentado de Camarate. Sobre estes temas, faltam obras capazes e focando aspetos diversos de cada um dos casos. Até o caso dos submarinos nunca foi resolvido. E nem um estudo capaz sobre as empresas que possuíam contratos com a Direção-Geral de Segurança, em matéria de combate à agitação laboral, foi feito.

De molde que surge a questão: tem vindo a desenvolver-se a errada ideia de que a diminuição de deputados na Assembleia da República poderia ser um fator dinamizador da crença dos portugueses no Sistema Político, o que está completamente fora da realidade. Portanto, se se conseguir mostrar que alguma informação foi fornecida por membros do PCP à URSS ou à RDA, de pronto a nossa grande comunicação social ampliará tal realidade ao próprio PCP, conseguindo, deste modo, potenciar as mexidas no número de deputados, de molde a poder reduzir a representatividade proporcional dos comunistas na nossa vida pública. É um domínio em que prestar atenção ao que está a passar-se no Brasil – não só – só traz vantagens... Está-se a operar-se uma redução da democracia a mera formalidade. Para os grandes interesses, é essencial mantê-la, mas reduzida a simples forma.

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