|Hélio Bernardo Lopes| |
Ora, um dos factos políticos mais recentes é o caso que envolveu João Soares, Ministro da Cultura, e António Lamas, até há pouco a liderar o Centro Cultural de Belém, (CCB). A grande verdade, porém, é que este acontecimento, quase com toda a certeza, não tem paralelo num outro Estado da desgraçada União Europeia a que se chegou. Vejamos alguns aspetos deste caso.
Em primeiro lugar, desconhecendo a maior parte de quanto está em jogo, tenho de admitir que a exoneração – ou o pedido de demissão? – de António Lamas pelo ministro da tutela foi legal. A não ser assim, ter-se-ia, a curto prazo, uma situação politicamente complexa para João Soares. Em segundo lugar, esta saída de António Lamas da liderança do CCB foi apresentada por João Soares numa sua prestação na Assembleia da República, e na sequência do diálogo que ali se travou com os deputados. Não foi uma diatribe operada na praça pública.
Em terceiro lugar, depois da saída de Vasco Graça Moura do CCB – até a sua entrada –, nunca me dei conta da abertura de um concurso público internacional, com planos estratégicos e cadernos de encargos. O Governo do tempo convidou e foi tudo. E é lógico que tenha sido este o caminho, ou os governantes estariam reduzidos a verdadeiros verbos de encher.
Em quarto lugar, a distribuição do que resta da democracia não é um ingrediente uniforme por esse mundo fora. De resto, temos hoje democracias desde o Afeganistão ao Iraque, também na Venezuela, e, a breve trecho, na própria Síria, ainda governável a partir de Damasco. E mesmo na famigerada União Europeia – a minha União Ditatorial dos Estados Decadentes Europeus, DEDE – o valor da prática democrática está longe de uma distribuição uniforme.
Em quinto lugar, nós conhecemos o modo português de estar na vida, ingrediente essencial à prática democrática que temos tido. E basta olhar o comportamento da nossa atual oposição para logo se perceber como interpreta a vivência democrática que foi a de sempre desde Abril de 1974. Em sexto lugar, e por via do que escrevo antes, é lógico que, após uma mudança política da governação, para mais tão profunda, os dirigentes superiores da Administração do Estado coloquem os seus lugares à disposição do novo poder. Porventura, poderão continuar, mas poderão também ser substituídos.
Por fim, o que aqui poderá ter falhado: António Lamas não terá seguido – seguiu, afinal? – este caminho que é o lógico. Se tivesse tido com João Soares a adequada conversa ao redor da estratégia que estava a ser seguida, e das modificações que o Governo entendia implementar, talvez tudo tivesse tido uma outra sequência. O que não pode ter lugar é aquela situação de que os dirigentes da Administração Pública tenham uma inércia de posição acima do poder decisório oriundo do voto dos cidadãos.
O caminho mais acertado para este Governo – também para os futuros – é pôr um fim na inamovibilidade dos dirigentes administrativos, nomeando-os de modo considerado conveniente para o momento. Felizmente, nos dias de hoje, só raros nos surgirão com a ideia do papel providencial de quem quer que seja. Não falta nunca quem faça mais e melhor.