Um pico de aflição e desnorte

|Hélio Bernardo Lopes|
Como há dias referi no meu texto, A EUTANÁSIA, o recurso a este mecanismo teria sempre de vir a dar-se, dado que o essencial acesso aos cuidados de saúde se tornou extremamente proibitivo. O mesmo, no fundo, que se passou a dar com o acesso aos Tribunais, em face do incomportável custo de uma intervenção nessa área por parte da esmagadora maioria dos portugueses.

Perante o surgimento recente de um manifesto em defesa da legalização da eutanásia, de pronto teve lugar o mais que certo pico de aflição e desnorte dos meios ligados à fação católica mais apregoadamente conservadora, mas que se vem esquecendo, por essa Europa fora, dos refugiados... Até a segunda paróquia do Vaticano nunca mais se determinou a receber, nas suas instalações, a segunda família refugiada.

Num ápice, começaram a surgir intervenções do tipo mais variado, desde as assentes em princípios, às de natureza mais tática, ou mesmo simples notícias, que bem poderão destinar-se a tentar perturbar a tomada de posição do PS e dos seus líderes ao redor da posição a tomar neste domínio.

Foi nesta envolvência que nos foi dado escutar as palavras do cardeal Clemente, mostrando-se admirado com a iniciativa, mas sem se determinar a assumir uma posição clara à luz dos princípios neste domínio. A verdade é que o cardeal de há muito deverá ter percebido que o modelo neoliberal, de parceria com a globalização, teriam de vir a deitar por terra o valor da vida. As pessoas, essas, limitam-se a escolher o mal menor, porque outros, maiores, seriam a alternativa. Um pouco como o come e cala.

Logo de seguida, aí nos surgiu o líder da Associação dos Médicos Católicos, defendendo uma ponderação capaz e profunda sobre o tema, mas salientando a lógica do recurso a um referendo! Simplesmente, sendo católicos, como defender o recurso a um referendo neste domínio? Bom, também aqui, no meio da aflição e do desnorte, optou-se pelo mal menor: talvez se consiga que o referendo não venha a ser vinculativo...

Mais um pouco, e eis que nos surgiu a enfermeira Margarida Alvarenga, piedosa e ingenuamente apontando para os cuidados paliativos. Mas como defender um tal caminho, se o que a anterior Maioria-Governo-Presidente fez foi ir pondo paulatinamente um fim no próprio Serviço Nacional de Saúde?!

Por fim, a notícia do i, a cuja luz Marcelo defenderá um referendo sobre o tema, se o mesmo tiver que ser discutido no domínio público. No mínimo, esta notícia, correta ou não, poderá constituir-se num elemento de pressão sobre o PS, a sua liderança e os seus deputados. De resto, tendo Marcelo Rebelo de Sousa referências católicas, também é estranho que possa aceitar um referendo sobre a eutanásia. Seria mais natural enviar uma carta à Assembleia da República expondo pontos que possam levá-lo a considerar incompatível a eutanásia com a cultura e as tradições da generalidade dos portugueses. Veremos o que fará Marcelo, logo que o tema lhe chegue às mãos.

Acontece, porém, que a grande maioria dos portugueses, nos tempos que hoje por aqui passam, não duvida em defender a ideia ora vinda a público. Para dor já basta a pobreza criada e as mil e uma dificuldades que lhes foram impostas nos últimos quatro anos. E sobre que já perceberam serem por igual apadrinhadas pela famigerada União Europeia, a tal minha União Ditatorial dos Estados Decadentes Europeus. De molde que eu entendo que o mais lógico ainda será tomar uma decisão ao nível da Assembleia da República, mas usando o mecanismo do voto secreto. No fundo, quem não deve não teme. Mas, enfim, vamos esperar para ver o que por aí virá. Para já o que se vê são aflição e desnorte.

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