Reinam o desnorte e a mentira

|Hélio Bernardo Lopes|
Quem acompanha os meus textos talvez tenha já concluído que pouco ou nada escrevo sobre António Barreto ou sobre Maria Filomena Mónica. De resto, nos meus arquivos pouco tenho destes dois nossos concidadãos. 

O que significa que não li o tal texto do primeiro, a que se refere Domingos Abrantes, mas tendo logo instado os leitores a lerem a entreviste recente deste, mormente nas considerações que tece sobre aquele.

Em contrapartida, não perco o que quer que seja de Boaventura Sousa Santos, o que não significa que concorde com tudo. Apenas a título de exemplo, cito a polémica que se gerou entre este e António Manuel Batista, em que sempre defendi a posição assumida pelo físico, que conhecia por razões residenciais. Simplesmente, de um modo muito geral, o sociólogo apresenta-se com posições ligadas à defesa de um mundo melhor para todos e mantém, com as naturais adaptações, um quadro de valores permanentes, não andando a saltar daqui para ali.

Neste sentido, como se compreende, tive a oportunidade de ler a entrevista que Boaventura Sousa Santos concedeu ao i, na sua edição de ontem. Simplesmente, esta minha reação comporta uma novidade, porque achando que o entrevistado revela, nas suas respostas, o desnorte reinante na Esquerda mundial, fruto de sucessivas mentiras de toda a gente – da Direita e da Esquerda –, acabei por encontrar nas perguntas do entrevistador a verdadeira resposta aos problemas europeus – e portugueses, claro – de hoje.

A primeira pergunta do entrevistador foi esta: é impossível ter ao mesmo tempo democracia, globalização e soberania? Bom, de pouco importa agora o que respondeu Boaventura, porque a pergunta já contém a realidade. De resto, eu tive já a oportunidade de explicar – à minha maneira, obviamente – a razão de serem assim as coisas, deitando mão do que nos garante a ciência.

A segunda pergunta foi esta: a ausência de democracia na União Europeia não se deve ao facto de ela não ter sido criada para ser democrática, mas para garantir o predomínio dos mercados? E é a verdade, ao contrário da treta sempre repetida de que os pais fundadores tinham uma preocupação de paz para a Europa, o que não podia ser possível, porque eles teriam que conhecer a natureza humana e também o real peso da História e da sua memória. Hoje já se percebe ser esta a realidade.

A terceira questão foi a seguinte: a UE não foi feita para ser uma democracia, mas um mercado, o que não é exatamente a mesma coisa, além de que não temos uma opinião pública europeia nem uma movimentação social em todo o continente que pudesse construir, de baixo para cima, uma democracia continental. Bom, é também uma evidentíssima realidade e que mostra o que há uma semana e tal referiu Porfírio Silva: a União Europeia é hoje como a URSS, mas sem KGB. Ou como nos diz o Papa Francisco: esta economia mata, porque o deus dinheiro vem primeiro que as pessoas.

A quarta pergunta é a seguinte: é possível mantermo-nos no euro como país independente? Claro que não, o que é algo que já toda a gente percebeu. O problema, que se prende com a condenação moral do PSD e do CDS/PP, nas críticas ao atual Orçamento de Estado depois de quanto fizeram antes, é que quase não há quem se preocupe com isso. Uma realidade que se liga ao baixíssimo interesse dos portugueses pela democracia e ao infeliz papel que o PS foi realizando em Portugal desde a Revolução de Abril, abrindo as portas do poder aos grandes interesses.

A quinta questão prende-se com o facto de que nós perdemos soberania nacional e essa soberania foi transferida para instâncias e procedimentos que se encontram fora da democracia. Bom, é uma cabalíssima evidência, mas a verdade é que os políticos do PS continuam a agitar a sua flâmula de principais europeístas do País, ao mesmo tempo que Bruxelas pontapeia o atual Governo de todo o modo e feitio, aí apoiado pela atual oposição. É caso para que se diga: correndo por gosto, não cansa.

A sexta pergunta foi esta: não existe um espaço de cidadania europeia, pelo que as pessoas não se reconhecem como pertencendo à mesma opinião pública e constituindo o mesmo espaço político, estão partidas por fronteiras, culturas, o que parece ser inultrapassável. O problema é que a unidade europeia parece engraçada, mas à custa de uma pobreza crescente. A uma primeira vista, tudo a circular e sem constrangimentos é excelente, mas serve, primacialmente, os negócios mais sombrios e sem controlo. Como se pode ver a cada dia...

A sétima pergunta é mesmo certeira: mas as elites não se venderam à Europa, vivendo muito bem, aparentemente, nesse espaço, tendo sido elas que nos conduziram à integração europeia? Bom, uma autêntica flecha no coração. Já vê, leitor: quem é que se determina a bater-se contra este desastre se estiver pago a vinte mil euros por mês e sem impostos, para mais com um subsídio de reintegração de mais três anos nessas circunstâncias? Ninguém! E como já não existe nenhuma democracia, discutir a presença no euro ou nesta famigerada União Europeia – a minha União Ditatorial dos Estados Decadentes Europeus –, deixou de apresentar um ínfimo de interesse. Sabe-se que nada depende da vontade da maioria dos portugueses, a menos que coincida com a do pensamento único, neoliberal.

A oitava pergunta foi esta: reconhece que o falhanço da democracia na Europa é também o falhanço daqueles que a quiseram democratizar? É a verdadeira realidade, precisamente por tudo o que o entrevistador foi colocando ao longo da entrevista. Não há hoje democracia alguma na Europa, nem mesmo tal é importante para os grandes interesses. Aliás, nunca foi.

E, por fim, a nona pergunta: o Fórum Social Mundial, onde o empenhamento do PT do Brasil é muito grande, coincide com uma viragem à esquerda da América Latina, verificando-se hoje um efeito pendular, com vários países a virar à direita nesse continente. Bom, é o que qualquer um de nós já conhece bem.

À entrevista faltou a abordagem da situação mundial explosiva, quer por via dos mil e um conflitos que estão a ter lugar, quer pelo facto de tudo isso se ter suportado no papel hegemónico dos Estados Unidos, em tudo apoiados pelo Ocidente, já sem valores nem moral. Tudo falhou, graças ao famigerado mercado, sempre tão aplaudido, por exemplo, por Mário Soares: falhou o desenvolvimento africano, falhou a mudança no subcontinente americano, falhou a famigerada União Europeia, e falhou tudo o que se prende com a zona árabe e/ou do Islão. Temos à vista o regresso das ditaduras, mas agora sempre em nome da democracia e da segurança desta – não esquecer A DEMOCRACIA TOTALITÁRIA, de Paulo Otero –, e de uma guerra ao nível global.

E tudo isto no meio de históricas aproximações religiosas e quando um membro muito ativo e alinhado da Igreja Católica – António Guterres – até poderá tornar-se Secretário-Geral das Nações Unidas. Para já não referir Durão Barroso, também profundamente alinhado com a Igreja Católica – não esquecer o célebre caso do pré-comissário que era da Opus Dei e já não chegou a sê-lo –, e que ascendeu a Presidente da Comissão Europeia depois daquele nunca explicado abandono de António Vitorino. As coisas e as loisas da política mundial... Talvez por tudo isto Donald Trump seja tão mal visto neste continente europeu em extrema decadência. Para a Igreja Católica seria como a chegada do Diabo à ONU – é batista. Está muita coisa em jogo, mas não em defesa da pessoa, sim ao redor de quem será o comando da futura grande ditadura mundial...

Portanto, na perspetiva católica, para enfrentar o poder militar dos originários ingleses, de há muito expandidos pelo mundo e comandando-o hoje, terá chegado o momento de aproximar católicos e ortodoxos. Um tema sobre que é bom recordar aquela minha questão colocada, através de amigo comum, ao cardeal Policarpo: este disse que eu tinha razão.

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