É de mau senso?

|Hélio Bernardo Lopes|
Com toda a naturalidade, a ideia de vir a legalizar a eutanásia teria de agitar as águas políticas e mesmo as religiosas. Não escolho esta ordem de modo casual, porque a grande realidade é que a agitação é imensamente superior no setor político da Direita do que no ambiente religioso. E teria de ser assim, como aqui procurarei mostrar.

Num destes dias recentes foi possível escutar as palavras da deputada do CDS/PP, Galriça Neto, salientando não conhecer ninguém de bom senso que seja a favor do sofrimento. Bom, é uma afirmação que deverá merecer a concordância de todos, mas desde que com bom senso. Simplesmente, o problema está nas pessoas de mau senso, situação hoje muito presente no seio das atuais sociedades. Seja a nossa ou qualquer uma outra.

Nestas circunstâncias, surgem sempre três tipos de posições: a do imperativo de se recorrer, crescentemente, aos cuidados paliativos; a de que ninguém deverá dispor do valor da vida; e a de que se impõe um debate alargado sobre um tema desta natureza. O primeiro e o terceiro, como se percebe, fazem parte da conversa de sempre de quem se assume como conservador, embora não passem de meros argumentos de circunstância. Argumentos muito recorrentes.

Como facilmente se reconhece, o valor da vida, nas sociedades que vivem tempos de normalidade, assumiu um valor transcendente. Nessas sociedades a legislação reconheceu, precisamente, essa posição. Embora – há que reconhecê-lo – a vida esteja rapidamente a perder o valor que já tinha sido conquistado. Basta ver a miséria que varre o mundo, os mil e um conflitos por todo o lado, a terrível situação dos refugiados, agora com a ação da OTAN, destinada a impedi-los de se dirigirem à Europa, etc.. Se há tempo em que a vida vem perdendo valor, esse tempo é o de hoje, desde que o neoliberalismo e a globalização se apoderaram do mundo, ao ponto de o estarem a conduzir a uma nova guerra global.

Algo inesperadamente, a reação das pessoas mais esclarecidas passou a ser o silêncio ou mesmo o apoio a todo o tipo de desmandos do novo poder que pretende hegemonizar o mundo. Os designados intelectuais, sempre tão fervorosamente defensores dos Direitos Humanos, também passaram a alinhar, no mínimo com o seu silêncio, com as posições belicistas e realmente antidemocráticas dos Estados Unidos e dos Estados que se lhes tornaram subservientes.

Por outro lado, a experiência já mostrou – e de que modo! – que o crescimento dos cuidados paliativos é mera balela, até porque a anterior Maioria-Governo-Presidente o que fez foi dar significativos passos a caminho da real extinção do Serviço Nacional de Saúde. Uma realidade objetiva, que já tinha tido o seu início com António Correia de Campos ao tempo do Governo de António Guterres. E quem tiver boa memória lembrar-se-á, já nos últimos dias desse Governo, das considerações de Joaquim Pina Moura. Portanto, quanto ao argumento-balela dos cuidados paliativos, estão os portugueses cabalmente esclarecidos.

Resta, pois, o debate alargado. Só que esta ideia não passa de mais um argumento de recurso, porque qualquer pessoa de boa-fé reconhece que tal debate não chegaria a qualquer conclusão nem terminaria. Tal como se passou com os casos do aborto ou do casamento homossexual. São temas que se suportam em visões da vida que são inconciliáveis.

A questão aqui objetiva é esta: o que pensam os portugueses do tema da eutanásia? Pois, a resposta é muito simples: a larga maioria não gosta de tal prática – é melhor viver que morrer –, mas aceita facilmente a ideia de que, tendo de morrer, o faça sem um inútil sofrimento humano. Quem tiver a oportunidade de operar uma ligeira sondagem, despreocupada, sobre o tema junto de familiares, amigos ou conhecidos, de pronto reconhecerá duas coisas: a generalidade não condena a eutanásia, compreendendo-a; a aceitação da eutanásia tem uma correlação ínfima com a prática religiosa.

Por tudo isto, é minha opinião que o tema pode claramente ser tratado ao nível da Assembleia da República, mas usando o método do voto secreto e com plena liberdade do mesmo. A verdade é que, por agora, só o Bloco de Esquerda assumiu uma posição sobre o tema. Vamos esperar.

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