A entrevista de Fernando Rosas

|Hélio Bernardo Lopes|
Apesar do estado a que Portugal e os portugueses chegaram, em essência pela politicamente desastrosa intervenção da anterior Maioria-Governo-Presidente, e perante quanto varre o mundo, a verdade é que ainda consigo ser surpreendido, embora com dados que, em boa verdade e desde sempre, de algum modo sempre conheci. 

Refiro-me aqui, em essência, à recente entrevista de Fernando Rosas ao i, conhecido político português do Bloco de Esquerda e académico muito conceituado e com uma vasta escola realizada ao longo da sua vida de professor e de investigador.

Ora, recentemente, Fernando Rosas concedeu uma entrevista razoavelmente longa ao i. Em si mesmo e no modo como responde a cada uma das questões que lhe foram colocadas. A entrevista não apresenta grande interesse, até por ser, num certo sentido, uma entrevista defensiva, onde se acaba por reconhecer a (quase) completíssima incapacidade para mudar o que se considera mau e injusto. E que assim é, de facto.

Acontece que, a dado passo, Fernando Rosas salientou que a implosão da União Soviética e do campo socialista teve efeitos muito mais profundos do que na época – a sua geração – supunha, porque se entendeu que aquele modelo de socialismo era desadequado e se pensou que seria relativamente natural que se pudesse construir um novo modelo de socialismo mais próximo da democracia e da igualdade social. Bom caro leitor fiquei verdadeiramente perplexo, porque esta afirmação traduz uma extraordinária ingenuidade de Fernando Rosas!

Estou a escrever este texto e já falei sobre ele com gente amiga ou conhecida, mas a verdade é que continuo admirado com o facto de Fernando Rosas e os seus amigos geracionais da Esquerda nunca terem imaginado que o fim do comunismo na antiga URSS sempre acabaria por conduzir os Estados Unidos à situação que se tem vindo a ver. A uma primeira vista fica-me a ideia de que Fernando Rosas sempre terá acreditado no desenrolar da História como um sistema que foi evoluindo por via de conquistas das grandes massas.

Mas – espanto dos espantos! – Fernando Rosas também terá acreditado na dita Europa – a tal minha União Ditatorial dos Estados Decadentes Europeus –, apesar da mesma ter nascido e se ter desenvolvido completamente à revelia da vontade dos povos europeus, nunca escutados a qualquer nível. E onde nem sequer a vontade livremente sufragada em eleições livres pode ser aplicada! Claro que o espaço Schengen, hoje, na Europa central e de leste, é uma ficção! E então? O que propõe Fernando Rosas que se faça? E o seu Bloco de Esquerda? E podem os portugueses pronunciar-se sobre uma possível saída da Zona Euro, ou da própria União Ditatorial dos Estados Decadentes Europeus? Claro que não! E porquê? Pois, pelas razões há dias expostas por Porfírio Silva numa sua entrevista: a Europa, hoje, é como a URSS, mas sem KGB. E então, Fernando Rosas?

Por fim, o fantástico tique de que as pessoas da Esquerda ainda não conseguiram livrar-se: a aparente incapacidade de olhar, com realismo, as coisas de cada parcela do mundo. Aliás, foi por ser esta a realidade que o Bloco de Esquerda, o PCP e Os Verdes se aliaram ao PSD de Pedro Passos Coelho e ao CDS/PP para derrotar o célebre PEC IV, o que veio a dar no que a generalidade dos portugueses puderam sentir na pele ao longo de mais de quatro anos. E depois, Rosas fala da Síria, da Líbia, de Angola e da África do Sul como se fossem governados por gente ditadora ou corrupta, mas esquecendo completamente o que os portugueses, na sua amplíssima generalidade, pensam do que se passa entre nós.

Enfim, no sentido que se compreende, esta entrevista é extremamente interessante, porque mostra como um concidadão nosso de alta qualidade intelectual, que vive a política há décadas, pode situar-se a anos-luz do modo como se tem de governar o mundo, com os seus mil e um pedaços, todos eles repletos de uma carga de conflitualidade muito potenciada. A uma primeira vista, Fernando Rosas parece acreditar numa política mundial e nacional a preto e branco. E se nós conhecemos o resultado deste tipo de pensamento...

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