As eleições de 4 de outubro II

|Hélio Bernardo Lopes|
Com a tomada de posse do Governo liderado por Pedro Passos Coelho acabou por surgir, finalmente, o histórico sonho de Francisco Sá Carneiro: uma Maioria-Governo-Presidente de direita. Vejamos as condições iniciais para o desenvolvimento deste terno político.

Em primeiro lugar, ocorreu, pela primeira vez na III República, o surgimento de um Presidente da República oriundo da área da direita. Um Presidente da República de que se possuíam algumas referências muito significativas: o agraciamento concedido a dois antigos inspetores superiores da Direção-Geral de Segurança, mas não a Salgueiro Maia; a tomada de posição ao redor do concurso de José Saramago a determinado prémio internacional; o caso secos-molhados, em torno da luta pelo sindicalismo na PSP; e o caso da Ponte 25 de Abril.

Em segundo lugar, a infeliz tomada de posição de Mário Soares, no tempo anterior às eleições que conduziram à formação do atual Governo, com sucessivos apoios a Pedro Passos Coelho, apontado pelo fundador do PS como um jovem simpático e com quem se podia dialogar, ao mesmo tempo que o líder do PSD colocava José Sócrates e o PS pelas horas da amargura. Uma realidade que teve o seu auge com a inenarrável visita de Mário Soares, na companhia de Leonor Beleza e de Alexandre Soares dos Santos – todos encimam fundações –, a Pedro Passos Coelho, na sede do PSD.

Em terceiro lugar, a crise mundial, surgida nos Estados Unidos, e que acabou por vir a ser aproveitada, quase um ano depois da sua tomada de posse, pelo Governo de Pedro Passos Coelho, de molde a dar corpo ao ideário neoliberal já contido no livro que lançara na Gare Marítima de Alcântara.

Em quarto lugar, o fantástico apoio que o PSD e o CDS/PP acabaram por conseguir na grande comunicação social, mormente nos canais televisivos. Quase diariamente, invariavelmente de um modo interessado ou acéfalo, foi-se construindo uma explicação histórica para quanto se passara, colocando tudo o que pudesse ser lucrativo e estivesse na posse do Estado em condições de ser privatizado.

Em quinto lugar, o papel central da Igreja Católica e de quanto, de algum modo, gira ao seu redor – misericórdias, IPSS, Banco Alimentar, etc. –, por via do seu silêncio em face do que foi tendo lugar. Esse silêncio, naturalmente, acabou por ir sendo entendido na sua verdadeira dimensão: apoiava-se o empobrecimento dos portugueses e do País, com o fantástico cortejo de desemprego, pobreza, miséria e emigração que se tem vindo a ver e que gerou o Portugal destes dias. Dizia-se ser uma pena, mas pouco se ia mais além.

E, em sexto lugar, o PS mostrou-se tolhido e quase envergonhado, com a sua liderança do tempo, em boa medida, aceitando as bases do modelo explicativo do PSD e do CDS/PP. Foi o tempo do triunfo da ala direitista na liderança do PS, que esteve à beira de o levar a cair naquela inconsequente e perigosíssima ideia do consenso, que lá foi milagrosamente interrompido, embora naturalmente apoiado pela ação de Proença e da UGT na Concertação Social. Era o tempo em que Silva Peneda parecia mais esquerdista que Seguro ou Proença.

Este conglomerado de seis condições iniciais foi o que veio a permitir, um ano depois da tomada de posse do Governo de Pedro Passos Coelho, que este desse início ao movimento de mudança do que realmente mais interessava aos grandes interesses: extinguir o Estado Social e privatizar o máximo possível das estruturas do Estado – incluindo o Estado Social –, deixando este como uma entidade residual, sem prestígio nem real poder.

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