Esta é a proposta de uma equipa de cientistas liderados por Alfred McEwen, investigador principal da Experiência Científica de Imagens de Alta Resolução, um aparelho que pertence à Mars Reconnaissance Orbiter — a sonda da NASA que está a orbitar Marte desde 2006 – e que forneceu os dados que suportam a afirmação da descoberta de água líquida salgada em Marte.
O impacto mediático desta descoberta foi enorme à escala planetária terrestre. A água é indissociável ao desenvolvimento e suporte da vida no nosso planeta, o único que conhecemos em que existe vida, como a nossa. A descoberta de movimentos de água no planeta vizinho, mesmo que associada a sais, alimenta a ideia, não nova, da possibilidade de a vida ter pelo menos existido alguma vez no passado em Marte. Mas isto continua a ser uma hipótese que precisa de dados e evidências experimentais.
Muitas teorias têm sido propostas nos últimos séculos sobre a existência de água em Marte. A mais famosa e a que mais alimentou a imaginação e ficção sobre a possibilidade de existência de vida, inclusive inteligente, em Marte, foi a elaborada pelo astrónomo amador norte-americano Percival Lowell no final do século XIX. No seu livro “Mars”, publicado em 1895, Lowell apresenta a ideia da presença de uma rede de irrigação para distribuir os escassos recursos hídricos de Marte. Baseado em observações telescópicas da superfície de Marte, Lowell propõe uma dinâmica para o fluxo de água a partir de calotas polares modelado pelas estações marcianas. Chega mesmo a escrever: “há água na superfície de Marte. Mas podemos também assinalar este corpo de água como efémero. Existe apenas quando as calotas polares derretem e, subitamente, desaparecem.”
Vemos, assim, que a ideia de existir água em Marte e de ela ser escassa não é nova. Mas o que agora é novo é o ter sido identificada científica e experimentalmente. Num artigo publicado no dia 28 de Setembro de 2015 na revista “Nature Geoscience ”, e que tem como primeiro autor Lujendra Ojha, os cientistas da experiência já referida apresentam os resultados das análises espectrais em estrias escuras presentes em colinas e vertentes na superfície de Marte, descobertas em 2011. Estas estrias surgem e desaparecem de forma cíclica todos os anos. “As nossas descobertas apoiam fortemente a hipótese de que as linhas que aparecem periodicamente em encostas se formam devido à actividade contemporânea de água em Marte”, lê-se no resumo do artigo.
A equipa de cientistas usou os dados obtidos naquelas estrias por um potente espectrómetro de imagem presente na sonda “Mars Reconnaissance Orbiter”. Este equipamento analisou a luz reflectida naquelas estrias escuras e identificou as substâncias nelas existentes. Os dados obtidos suportam a existência de certo tipo de sais hidratados. A presença destes sais hidratados dever-se-á à sua precipitação a partir de água líquida, muito salgada, existente durante as horas mais quentes dos dias de Verão, argumentam os cientistas naquele artigo.
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Mas, atenção: os cientistas não detectaram realmente água líquida em Marte, mas sim sinais de sais hidratados que podem dever-se à existência de soluções salinas aquosas em algumas alturas do ano marciano.
Esta descoberta vem direcionar as futuras investigações sobre a possibilidade de a vida existir ou ter existido alguma vez em Marte, para estas zonas estriadas escuras da superfície marciana.
Muito a propósito deste contexto marciano, refiro a publicação entre nós no passado mês de Junho de 2015 do livro “Os Marcianos somos nós”, de Nuno Galopim. Publicado na prestigiada colecção “Ciência Aberta” da editora Gradiva, este é um livro indispensável para quem quiser obter uma imagem completa sobre Marte, da ciência à literatura, da banda desenhada ao cinema. Uma viagem pelo imaginário marciano que há em todos nós.
António Piedade
Conteúdo fornecido por Ciência na Imprensa Regional / Ciência Viva