Coisas muito nossas e antigas

|Hélio Bernardo Lopes|
Depois da recente entrevista concedida à TVI, na pessoa de Judite de Sousa, Isaltino de Morais esteve presente numa livraria de Oeiras, onde autografou a sua recente obra, A MINHA PRISÃO. E fez aí críticas muito duras ao funcionamento global do nosso Sistema de Justiça, embora as mesmas possam facilmente ser estendidas a países outros e os mais diversos.

A dado passo, Isaltino de Morais referiu, por exemplo, o caso dos juízes, cujo poder não é escrutinado, logo concluindo: são infalíveis, quais deuses. E, em boa verdade, é essa a ideia hoje presente no seio da sociedade portuguesa. Um domínio sobre que volto a aconselhar a série televisiva, UM CRIME, UM CASTIGO.

Muito mais percetível é o que refere sobre o complexo prisional, apesar das francas melhorias que recebeu ao longo de muitos anos. Em contrapartida, nos tempos que correm, com as limitações impostas pela atual governação e com o aumento rápido da população prisional, é perfeitamente expectável que possam estar a ocorrer perdas grandes ao nível do que já se havia conseguido.

De há muito defendo que a generalidade dos crimes não devem ser punidos com pena de prisão efetiva, sendo preferível penalizações por via pecuniária, o que permitiria aliviar, de um modo muito forte, o contingente prisional, bem como o correspondente custo. De resto, não custa hoje aos portugueses acreditar que o funcionamento da Justiça em Portugal não se recomenda. É o que pensa a generalidade dos portugueses.

Acontece que Isaltino de Morais sabe muito bem que os Tribunais decidem por via da convicção dos juízes: decide-se com base na livre apreciação da prova produzida nas audiências. É sempre assim porque não pode ser de outro modo, sendo que existem casos, incluindo nas ditas democracias de referência, onde esta situação é ainda muitíssimo pior. Basta olhar o caso dos Estados Unidos, onde começa logo a polícia por ser racista e onde já hoje se reconhece a existência de viciação ao nível da escolha dos jurados.

Não tendo lido a obra que refere de Fernando Pinto Monteiro, se é verdade que este escreveu que os jornalistas julgam na praça pública e os magistrados, pressionados, condenam, eu tenho que conceder o meu mais pleno acordo, dado que os magistrados, ao contrário do que costuma propalar-se, são seres humanos como outros e, por isso mesmo, influenciáveis. Por ser esta a realidade, nunca me dei por convencido nos casos de Isaltino de Morais, de Afonso Dias, do Sangue Contaminado, de Maddie McCann, dos Submarinos, ou, lá mais longe, da globalidade do Caso de Macau ou do de Camarate e dos dinheiros militares do Ultramar.

Diz Isaltino de Morais que o sistema judicial é uma corporação tenebrosa em que ninguém toca. Admitamos, como hipótese pessimista, que é esta a realidade. Mas será, então, o único caso? Claro que não! Basta recordar as instituições religiosas, as militares, as policiais, etc.. Ou seja, todas aquelas onde existe poder forte, sensivelmente incontrolável, e onde se pode, por isso, abusar do poder com elevada garantia de não se ser perturbado. Simplesmente, isso é sempre assim. Basta que se acompanhe a excelente série televisiva que referi atrás, UM CRIME UM CASTIGO.

No meio de tudo isto, como é natural, existem depois as particularidades culturais de cada povo. Ora, neste aspeto, seria muito útil que Isaltino de Morais procurasse ler a entrevista do general Amadeu Garcia dos Santos, dada em 2014, poucos dias antes de 25 de Abril. Ou, também por essa altura, uma outra, igualmente dada ao i, por José Eduardo Sanches Osório. Delas transparece esta realidade simples: o português, só e na vida em sociedade, é cobarde, ou não teríamos atravessado tranquilamente a II República. Está aqui a razão de ser da realidade particular tipificada por Isaltino de Morais.

Por fim, a razão de ser deste meu texto: discordo de que José Sócrates esteja já condenado na opinião pública, porque ninguém em Portugal liga a este caso e muito menos dá grande credibilidade ao funcionamento do Sistema de Justiça. Veja-se, por exemplo, o que se está a passar com a FIFA, naturalmente uma entidade onde a corrupção era mato, sendo que também sempre se soube de tal realidade. Foi preciso dispor de mais um meio de tentar humilhar a Rússia e pressionar o Qatar por parte dos Estados Unidos para que de pronto se deitasse mão de algo que, tal como também aconteceu com Maddof, foi sempre conhecido. Como todos sabem bem – e Isaltino de Morais conhece muito bem esta realidade –, o Sistema Jurídico não pode nunca garantir que os atos praticados no seu seio são justos.

www.CodeNirvana.in

© Autorizada a utilização de conteúdos para pesquisa histórica Arquivo Velho do Noticias do Nordeste | TemaNN