De novo a revisão

|Hélio Bernardo Lopes|
Tive já a oportunidade de salientar que o estado a que Portugal e os portugueses chegaram em nada se ficou a dever à Constituição de 1976, mas que para tal existiu, e continuadamente, uma contribuição absolutamente essencial das sucessivas lideranças do PS. E logo desde o início da Revolução de 25 de Abril.

Toda esta evolução esteve, portanto, sempre dependente das continuadas cedências do PS às exigências dos grandes grupos de pressão social e dos interesses. Como pude escrever, a direita gritava, o PS obedecia. Um realidade que volta agora a colocar-se, quando se está num (aparente) tempo de mudança na nossa vida política.

A direita, naturalmente, pretende pôr um fim em tudo quanto possa retirar certo setor da esfera da jogatina financeira e do lucro, mesmo que possam existir já mais suicídios que mortes em acidentes de viação. Se é o lucro que conta, a vida vale se puder suportar-se nele. O PS, como sempre se deu, começa por recusar. É a primeira fase da costumeira dialética, mas que logo se vê ultrapassada pela segunda fase, onde o PS cede, mas dizendo que no novo articulado está lá o que, garantidamente, nunca virá a ser cumprido. Desde 25 de Abril que foi sempre assim, o que nos levou ao presente desastre social e humano.

Fazendo-se de parva, a direita coloca esta questão: como pode um serviço de quatrocentos euros ter o mesmo valor para quem é pobre e quem ganha quatrocentos mil euros? Fingindo não perceber o que está em causa, o PS de pronto se propõe ponderar a questão, lá acabando por atingir os que nunca puderam suportar os preços atuais e que são a enormíssima maioria. Consequência? Os portugueses, em autênticos tsunamis, deixaram de ir ao médico.

Numa outra frente, esgrime-se que as décadas passaram, pelo que se impõe atualizar o texto constitucional. A grande comunicação social, lamentavelmente, nunca confronta os que assim falam com as suas posições em 1974 e 1975, nem face ao Serviço Nacional de Saúde, ou perante o aumento da escolaridade obrigatória, ou em face da Segurança Social Pública. Esquecem-se...

Ao mesmo tempo, e também como sempre – há agora o risco acrescido dos novos partidos –, ressurge a luta em defesa da mudança do Sistema Eleitoral. Quase custa acreditar nestas realidades da nossa democracia, porque o cansaço dos portugueses deve-se, acima de tudo, aos políticos e às suas políticas, nada dependendo da Constituição da República nem do Sistema Eleitoral. Vivessem os portugueses com dignidade e em segurança, e não teríamos o número de suicídios que agora foi dado a conhecer.

Disse há dias (e bem) Jaime Gama, na Faculdade de Direito de Coimbra, que qualquer ordem constitucional só é suscetível de ser alterada nos momentos heroicos, e nós manifestamente não estamos num momento heroico, quando até os candidatos que se confinam para o mais alto mandato do sufrágio popular nacional, em matéria de Constituição, querem jurar a Constituição existente e fazer disso um princípio, mas como boa conduta cívica também não gostam de trazer neste momento o problema ao debate público.

Enfim, temos que esperar, de molde a ver no que tudo irá dar, embora seja sempre importante ter presentes as palavras de há dias do embaixador Sequeira Costa: é essencial não menosprezar a tendência do PS para dar tiros nos pés. Para já, subsiste dúvidas lá pelo meio do PS e de muitos dos que se mostraram simpatizantes do partido. Veremos.

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