Momentos inesquecíveis

|Hélio Bernardo Lopes|
O tempo de vida da nossa III República está já repleto de episódios verdadeiramente inesquecíveis e que virão um dia a propiciar a publicação de uma engraçada obra de APANHADOS DA POLÍTICA PORTUGUESA TAL E QUAL. Uma obra que, a ser escrita, encontrará neste último ano que antecede o próximo ato eleitoral um fantástico alfobre de coisas plenas de graça. Recordemos alguns destes inimagináveis episódios.

Em primeiro lugar, a presença oficial do Presidente Cavaco Silva na República Checa, onde proferiu, tal como o seu homólogo checo, algumas considerações, sendo que as deste foram fora do propósito diplomático minimamente aceitável, embora se tenham visto acompanhadas do politicamente condenável silêncio do nosso Presidente da República.

Recordo, a este propósito, a histórica e quixotesca declaração de Charles De Gaulle na sua chegada ao Quebeque, onde logo declarou: vive le Quebeque livre! Como pôde ver-se, ninguém o impediu de dizer tais palavras, mas a visita ao Canadá, que ali se iniciava, de pronto viu, também ali, o seu fim. Lá diz o velho ditado popular digno de registo: quem cala consente.

Em segundo lugar, e mais uma vez por via de uma intervenção do Presidente Cavaco Silva, as suas lamentáveis palavras no seu discurso de Ano Novo, apontando que Portugal poderia estar a caminhar para uma situação explosiva.

De pouco importa agora saber do rigor destas palavras, mas apenas ter presente que as mesmas necessariamente colocavam a imagem do País nos mercados numa situação pior do que aquela em que já se pudesse encontrar. Nem mesmo os portugueses, sabedores de tais palavras, poderiam tomar em mãos uma qualquer mudança de rumo dos acontecimentos políticos internos. Tudo somado, apenas um contributo para piorar a situação da imagem de Portugal.

Imagine-se que George Marshall discordava da estratégia de Eisenhower para a tomada da Europa. Com tudo já a desenvolver-se no seio da coligação aliada, seria aceitável que Marshall viesse declarar em público – para o mundo, portanto – que a estratégia aliada poderia vir a conduzir a uma situação explosiva, mesma que não explicitada? Claro que não! Como ficaria o moral das tropas da coligação, à beira do desembarque em solo europeu?

Em terceiro lugar, as pândegas declarações de Luís Montenegro, a cuja luz, embora os portugueses estivessem pior, Portugal estava melhor. Como se possa separar-se Portugal dos portugueses! A uma primeira vista, se Portugal chegasse aos píncaros nos índices internacionais em termos relativos, tudo estaria ótimo, ainda que os portugueses pudessem estar, na sua generalidade, na pobreza, na miséria ou a ter que debandar do seu país. Uma maravilha em Ciência Política!!

Em quarto lugar, a recente presença de Maria Luís Albuquerque, lado a lado com o seu homólogo alemão, que sem mais se determinou a utilizar o (falso) exemplo de Portugal para vergastar os resultados das eleições democráticas gregas que deram a vitória ao SYRIZA. Sorrindo sempre e mantendo o silêncio pensado como mais adequado, Maria Luís Albuquerque terá posto um fim no que muitos pensaram poder vir a ser um trunfo político para o PSD. E tudo isto quando metade dos portugueses defende e apoia as ideias de ação política do SYRIZA...

Em quinto lugar, o silêncio de António Guterres ao redor da sua hipotética candidatura ao Presidente da República. Como muito bem salientou Digo Freitas do Amaral, este silêncio, para lá de certo limite temporal, acabará por prejudicar o próprio PS nas eleições legislativas que se aproximam.

Em sexto lugar, a recente gafe de António Costa no encontro com a comunidade chinesa em Portugal. Sendo António Costa um político experimentado, na governação do País e no Poder Local, custa perceber a dificuldade em bem escolher entre a realidade e a incorreção. Um trunfo que irá agora ser brandido contra si e contra o PS, embora sem reais efeitos práticos.

Em sétimo lugar, as fantásticas considerações de Vera Jardim à Renascença, salientando uma possível coligação do PS com o CDS/PP!! Mas será possível que Vera Jardim já não se recorde das palavras de Adelino Amaro da Costa a um jornal, na sequência da rutura do CDS com o PS, no segundo Governo de Soares: juntámo-nos a eles para os destruir?! Simplesmente inenarrável!

E, em oitavo lugar, o mais recente episódio que envolveu o Primeiro-Ministro, Pedro Passos Coelho. Dado que o mesmo está já amplamente escalpelizado, refiro, aqui e agora, o caso de Jack Straw e Malcolm Rifkind, que já dirigiram a diplomacia britânica.

Ao que agora se soube, ambos pediram a uma empresa de comunicação chinesa, em troca da sua influência política, seis mil e oitocentos euros por dia. Uma empresa que nem sequer existe e cujos representantes eram jornalistas do Daily Telegraph e do Channel 4. Pois, caro leitor, os dois deputados em causa foram já suspensos dos seus grupos parlamentares. Consegue imaginar algo similar em Portugal? Ou tudo terminaria com a explicação de mero equívoco, desatenção ou esquecimento?

Enfim, por todos estes momentos inesquecíveis se pode facilmente perceber que só pôde chegar-se à realidade que é a nossa porque a generalidade dos portugueses (quase) nada liga à democracia. Foi sempre assim.

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