|Hélio Bernardo Lopes| |
Em primeiro lugar, abordando o já histórico caso da Lista VIP, mostrou-se naturalmente contrário a tal situação. Simplesmente, de pronto transitou para um patamar que, naturalmente, não está aqui em causa: o da responsabilidade dos que acedem, sem legitimidade, aos dados que os contribuintes têm nas estruturas da Autoridade Tributária e Aduaneira. Sobre o que se passa nas democracias mais avançadas e consolidadas em matéria de responsabilidade política, bom, nem uma palavra.
Esta atitude de pronto me trouxe ao pensamento aquele conjunto de comentadores políticos e de advogados que sempre vêm exigir o fim da violação do segredo de justiça, embora só muito recentemente tenham conseguido reconhecer que os visados, em especial se detentores de poder social, podem eles mesmos colocar verdades e mentiras na grande comunicação social, a fim de porem em causa a honorabilidade das investigações em curso.
Mas esta abordagem do problema mostrou claramente uma analogia com o modo como PSD e CDS/PP abordaram os casos BPN e BPP: a culpa era do regulador, porque da malandragem logo se veria. Infelizmente, aquela comissão de inquérito ao caso BPN nunca se determinou a ouvir Luís Filipe Menezes, questionando-o sobre a sua tentativa de pedir uma auditoria ao Banco de Portugal e sobre as ameaças de morte que recebeu de companheiros seus. Tendo embora uma maneira muito típica e própria de ser, Luís Filipe não é tonto. E neste caso também não tinha razões para dizer uma mera atoarda mentirosa.
Em segundo lugar, o lugar comum: todos devem estar protegidos no domínio do segredo fiscal, e não apenas uma minoria de privilegiados. O problema, que Bagão não ponderou, é que se a campainha tocasse sempre que o cadastro fiscal de um contribuinte fosse acedido ilegitimamente, bom, teríamos uma sinfonia bem mais modernista que as de Alban Berg: uma sinfonia só de campainhas, com um coro sussurrante de fundo.
E, em terceiro lugar, o esquecimento de Bagão: a Lista VIP existiu mesmo, o que se prova pela conversa gravada do tal formador. O que depois tem de colocar-se – Bagão, naturalmente, não o fez – é saber qual a probabilidade de, depois de trezentos portugueses terem sabido tal realidade – numa perspetiva familiar serão cerca de milhar e meio e com amizades cerca de seis milhares –, ninguém no Governo tomou disto conhecimento... Bom, a probabilidade de tal ocorrer é igual a zero.
Não ocorreu a António Bagão Félix o preâmbulo da histórica lie da PIDE, que dizia que a ninguém era lícito desconhecer os graves crimes cometidos pela PIDE/DGS ou polícias predecessoras. A verdade é que não existe nenhum agente de uma qualquer daquelas polícias que diga que existiam esses crimes ou que sabia dos mesmos. Também neste caso da Lista VIP ninguém sabia. É a democracia portuguesa em movimento: não viu, não ouviu, não sabe, não pensa, obedece. Foi esta maneira de ser, sobretudo, que manteve o Estado Novo por quase cinco décadas.