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Ana Luísa Patrão |
Sou professora e investigadora científica no Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC-UFBA), no Brasil. Nesta instituição trabalho no Programa de Estudos em Gênero e Saúde (MUSA). Enquanto docente, sou coordenadora das disciplinas de “Género, Raça, Sexualidade e Saúde” e “Promoção da Saúde” nos programas de graduação (licenciatura) e pós-graduação (mestrado e doutoramento).
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Agora pedimos-lhe que tente contagiar-nos: o que há de particularmente entusiasmante na sua área de trabalho?
Actualmente, as doenças crónicas, sobretudo as cardiovasculares, diabetes e cancro, apresentam-se como as principais ameaças à vida. Por sua vez, estas dependem significativamente dos comportamentos individuais e das condições sociais, ou seja, de factores modificáveis. No meu trabalho tento contribuir para essa modificação ao investigar os determinantes psicológicos e sociais que estão na base desses comportamentos de saúde, sobretudo os relacionados com a promoção da saúde e a saúde pública, como a actividade física, a alimentação saudável, a protecção sexual, a prevenção do tabagismo e do consumo excessivo de álcool, entre outros. Na prática, esta compreensão traduz-se na possibilidade de conseguirmos prever esses comportamentos, bem como antever formas de prevenir o risco e promover os comportamentos saudáveis, através do desenvolvimento de intervenções comportamentais e psicossociais.
No desenvolvimento do meu trabalho analiso estes processos dando destaque às relações de género. Acho particularmente entusiasmante dar a conhecer como o género (por exemplo, sermos mulheres, homens, termos uma identidade de género mais feminina ou masculina, etc.), numa dada sociedade, se associa e ajuda a compreender os comportamentos de saúde, os determinantes que os precedem e a mudança comportamental relativamente aos mesmos.
Por exemplo, na minha investigação de doutoramento trabalhei no serviço de Ginecologia de um hospital público moçambicano, estudando os factores psicológicos, comportamentais e sociais que se associavam a comportamentos de risco para a infecção pelo VIH/SIDA em mulheres vulneráveis, ao mesmo tempo que testei a eficácia de uma intervenção, focada no empoderamento feminino, na redução desses mesmos comportamentos. Neste momento, no ELSA-Brasil tenho estudado sobretudo os preditores psicossociais dos estilos de vida dos funcionários públicos que compõem a amostra do estudo. Os comportamentos relacionados com o processo de saúde-doença são complexos e integram uma infinidade de variáveis que ajudam a explicá-los, compreendê-los e modificá-los. Faz parte do meu trabalho contribuir com uma pequena parte para essa compreensão mais abrangente.
Por que motivos decidiu fazer períodos de investigação no estrangeiro e o que encontrou de inesperado nessa realidade académica?
Sai de Portugal pela primeira vez em 2004/2005 ainda como estagiária de licenciatura em Serviço Social na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Na altura desafiou-me a possibilidade de exercer Serviço Social num contexto com tão parcos recursos como a Ilha de Moçambique, no norte de Moçambique, ao mesmo tempo que (já com o bichinho da investigação científica a operar) quis compreender que itinerários terapêuticos percorre uma comunidade onde o sistema formal/profissional de saúde é quase inexistente. Nessa altura percebi o flagelo que era a infecção pelo VIH/SIDA na população moçambicana, sobretudo a feminina. Pouco tempo depois de regressar a Portugal iniciei o meu doutoramento em Psicologia da Saúde, na Escola de Psicologia da Universidade do Minho, com a certeza de que queria estudar os “porquês” de o VIH/SIDA ter um rosto tão feminino em Moçambique e na África Subsaariana, sabendo que a protecção face a uma doença sem vacina e sem cura passava e ainda passa, principalmente, pela adopção de comportamentos sexuais seguros (uso dos preservativos feminino e masculino).
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Quando cheguei ao Brasil há 4 anos, encontrei um país decidido a investir na ciência, ao mesmo tempo que em Portugal se reduzia em tudo a esse nível. A minha chegada cá foi muito tradutora da realidade vivida nos dois países. Desde o inicio desta experiência que tento promover pontes académicas e científicas com Portugal. Exemplo disso é o projecto de cooperação que temos entre o ISC-UFBA e a Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP), intitulado “Género e Saúde: diálogos entre o Brasil e Portugal”.
Desde o início que se percebe uma disponibilidade financeira por parte da CAPES (a agência de financiamento brasileira equivalente à FCT em Portugal) para acções cientificas inerentes ao projecto, bem como para formação de estudantes de pós-graduação e investigadores de pós-doutoramento, que a FCT não acompanha. Entretanto e infelizmente, esse cenário positivo brasileiro tem vindo a mudar muito, com um claro desinvestimento na investigação nos últimos tempos. Ainda assim, a minha experiência e progressão têm seguido num sentido ascendente aqui, situação que duvido que ocorresse se não tivesse emigrado.
Que apreciação faz do panorama científico português, tanto na sua área como de uma forma mais geral?
Em primeiro lugar, acho que Portugal forma cientistas de grande qualidade e isso é facilmente reconhecido em todo o mundo. Relativamente ao panorama científico actual, por não viver no país não tenho um conhecimento aprofundado, mas tento estar atenta ao que acontece e parece-me que estamos numa fase de mudanças. Espero que sim e que essas mudanças sejam positivas, sérias, duradouras e alcancem todos os bons investigadores e não apenas aqueles que estão neste momento dentro das instituições. Parece-me que Portugal está decidido a continuar a investir na investigação, mas, ao contrário do que tem acontecido nos últimos anos, tem de seguir uma estratégia que dê futuro e estabilidade aos investigadores. Investir na ciência não é abrir mais bolsas de doutoramento ou substituir bolsas de pós-doc em andamento por contratos. A situação dos cientistas portugueses nos últimos anos chega a ser humilhante, a saltarem de bolsa em bolsa e sem perspectiva de financiamento dos seus projectos. Espero que finalmente sejam criadas condições dignas e estáveis de trabalho. Acho que é altura de Portugal fazer um balanço sério sobre o desperdício de recursos que tem sido criar bons cientistas e profissionais para depois “oferecê-los” a outros países.
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Que ferramentas do GPS lhe parecem particularmente interessantes, e porquê?
Acho que é um bom canal para colocar os cientistas portugueses pelo mundo em contacto, bem como dá-los a conhecer a Portugal. Por isso, foi com satisfação que tomei conhecimento e integrei o GPS.
GPS/Fundação Francisco Manuel dos Santos
Conteúdo fornecido por Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva