Ainda recorda a Bélarte?

|Hélio Bernardo Lopes|
A enorme generalidade das pessoas vive desatenta em face do que vai pelo mundo. Até mesmo de quanto decorre no País. É a natureza das coisas. E hoje, com as mil e uma inúteis distrações, tal realidade viu-se fortemente acrescida. 

O que torna mui elevada a probabilidade de que não tenham tomado conhecimento de certas sanções do Departamento do Tesouro do Estados Unidos contra oito juízes do Supremo Tribunal da Venezuela. De resto, há alguns meses foi também sancionado o vice-Presidente da Venezuela, por, alegadamente, ter envolvimento com o tráfico de estupefacientes.

Como consequência desta decisão, ficam congelados os ativos que os magistrados possam ter nos Estados Unidos, ao mesmo tempo que os norte-americanos e as suas instituições passam a estar proibidos de realizar transações com os oito juízes em causa. O que significa que só foram visados o vice-Presidente e oito juízes do Supremo Tribunal da Venezuela. Da Assembleia Nacional e para já, ninguém foi tocado, percebendo-se que se algo do género vier a ter lugar neste órgão da soberania venezuelana será sobre gente da área do atual poder, nunca da oposição que o contesta.

Acontece que os referidos juízes são responsáveis por uma série de decisões judiciais que usurparam a autoridade da Assembleia Nacional, eleita democraticamente, permitindo inclusive que o executivo governasse por decreto de emergência, restringindo assim os direitos e frustrando a vontade do povo venezuelano. É a alegação norte-americana.

Não deixa de ser interessante esta argumentação, porventura correta, mas já não aplicada, por exemplo, com a Turquia, numa situação que confere ao nosso extinto Estado Novo um caráter paradisíaco. Para os Estados Unidos, porém, o caso turco não merece qualquer consideração condenatória e muito menos uma ação como esta, da Venezuela.

A verdade é que desde janeiro de 2016 a oposição detém a maioria parlamentar. Essa maioria, como facilmente se percebe – existe o passado histórico, mormente no subcontinente americano – encontra-se suportada pelos Estados Unidos. Tendo sido sempre assim na História daquela região, a verdade é que o descalabro da governação de Nicolás Maduro ajudou imenso à presente realidade. Porque se a Assembleia Nacional tivesse uma maioria da área política do Governo, de pronto surgiriam novas acusações ligadas à violação de Direitos Humanos e ao tráfico de estupefacientes.

Diferente foi o caso de Augusto Pinochet, até mesmo de familiares seus, apesar de o chefe da sua polícia política, Manuel Contreras, colega militar de Pinochet, ter exposto que o criminoso ditador, para lá dos mil e um crimes que mandou praticar, de parceria com Merinos, Mendoza e Leigh, havia criado uma rede internacional de tráfico de estupefacientes. A verdade é que, embora detido em Londres, Pinochet recebeu a visita de…Margaret Thatcher, acabando por ser autorizado a regressar ao seu Chile, onde faleceu, recebendo mesmo honras militares no funeral. Um mimo, naturalmente apadrinhado pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido.

Com ou sem drogas pelo meio, a verdade é que o presente gesto do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos se constitui numa objetiva intimidação sobre os juízes em causa. Apesar de achar estranho que os mesmos se deem à iniciativa de colocar dinheiro seu em aplicações norte-americanas. Vivendo certamente bem, como terá de dar-se com membros de um Supremo Tribunal, é para mim estúpido estar a colocar dinheiro nos Estados Unidos.

Por fim, a acusação de tráfico de estupefacientes. Com o princípio da delação premiada em vigor nos Estados Unidos, uma tal acusação perde toda a credibilidade, mormente quando incide sobre políticos que seguiram caminhos objetivamente contrários aos interesses materiais dos norte-americanos, Como se deu, por exemplo, com a nacionalização do petróleo venezuelano. De resto, o recente caso do presidente brasileiro mostra bem o que valem as decisões da Justiça quando estão em jogo grandes interesses políticos: depois de ajudar a derrubar Dilma, o atual presidente, afinal, parece ter incomensuravelmente mais e muito pior do que a sua antecessora. Uma barafunda, suportada no inaplicável princípio da separação de poderes. É que a corrupção, no mundo de hoje, é como a velha Bélarte: está em toda a parte.

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