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|Hélio Bernardo Lopes| |
Como teria sempre de dar-se com um figura política mundial de primeira grandeza, Fidel Castro suscitou apoios fortes e universais e também ataques em lugares diversos do mundo. Porém, a distribuição destes dois conjuntos não foi idêntica nem o cardinal dos mesmos tem um ínfimo de semelhança.
Fidel Castro era oriundo de uma família latifundiária de origem galega e recebeu, logo desde criança, educação católica, muito ligada aos padres jesuítas. E nunca deixou tal mundividência ao longo de toda a sua vida. As diferenças de afeto para com os diversos Papas tiveram que ver com a atitude prévia da Igreja Católica de Roma e de quem a encimava em cada momento.
As razões da revolta levada a cabo por Fidel Castro e seus colegas da Sierra Maestra tiveram sempre uma grande recetividade popular, dadas as condições de indignidade que Fulgência Batista mantinha em Cuba. Uma Cuba que era um bordel de prostituição, comandado pela Máfia norte-americana, e onde a CIA e os mafiosos que a apoiavam exploravam vastas terras de cultivo, tirana e ignominiosamente.
Acontece sempre que os jornalistas, analistas e comentadores de hoje olham para Fidel e tudo o que protagonizou como uma realidade com muitos erros e mortes, mas que poderia – e até devia – ter sido um paraíso na Terra. Esquecem completamente – fazem por isso – que o que ali teve lugar não foi nunca uma experiência isolada.br>
Hoje, a falta de meios humanos essenciais nas populações civis de Aleppo é coisa terrível e diariamente noticiada, mas o embargo económico dos Estados Unidos – e dos seus lacaios, claro – a Cuba é coisa de mera estratégia, passasse a população cubana as privações que passasse. Uma estratégia de reação contra o ter Fidel Castro posto um fim na ignominiosa exploração do povo de Cuba por parte dos interesses norte-americanos.
Como se conhece da História, nos tempos imediatos à Revolução Cubana as execuções incidiram, nos termos da legislação vigente, sobre os que, no tempo a ela anterior, haviam praticado desmandos graves sobre a população ou sobre os que vinham aderindo à Revolução Cubana em marcha. De resto, com Fulgência Batista também tiveram lugar execuções diversas, contra os que se lhe opunham, mas com esta diferença importantíssima: Fulgêncio era um lacaio norte-americano e da Máfia, ao passo que os homens e mulheres da Sierra Maestra era patriotas que defendiam a soberania de Cuba e a dignidade dos cubanos. Faz toda a diferença.
A verdade é que continuaram a ter lugar execuções por fuzilamento, mas sobre aqueles que, comprovadamente, trabalhavam a soldo dos Estados Unidos, da sua CIA e da Máfia. Era assim em todo o mundo, incluindo nos Estados Unidos, em França, em Espanha, na União Soviética, na China, na Turquia, em Israel, etc..
Lamentavelmente, a bestialidade política típica dos Estados Unidos, que só conhece a violência e a força, impediram o desenvolvimento da Revolução Cubana de prosseguir por uma via mais próxima da estrutura política ocidental. Em todo o caso, essa estrutura nunca poderia materializar-se no regresso dos partidos, porque estes, no Ocidente desse tempo – até mesmo hoje –, eram autênticas correias de transmissão dos interesses norte-americanos.
Esta posição de bestialidade política típica dos Estados Unidos, que só conhecem a violência e a força, foi o que atirou Fidel Castro e os seus companheiros da Revolução Cubana para a esfera soviética. Ainda assim, sempre com grande autonomia política, a verdadeiros anos-luz do que teria lugar se o parceiro tivesse sido os Estados Unidos de Eisenhower e Nixon, acompanhados de perto pela CIA e pela Máfia.
Mais interessante é constatar o modo sorridente, cabalmente amoral, como se noticia em Portugal e no Ocidente o número de preparativos ou tentativas de assassinato de Fidel Castro pelas autoridades norte-americanas. Como se tal fosse um direito legítimo das mesmas! Em contrapartida, as prisões e tortura em massa na Turquia de Erdogan merecem apenas meras chamadas de atenção. Tudo, pois, na melhor das boas. O Estado de Direito Democrático a funcionar no Ocidente...
Em contrapartida, a Revolução Cubana trouxe aos cubanos o acesso ao conhecimento, à cultura e ao ensino, também criando uma escola de Medicina internacionalmente reconhecida. E se não foi mais longe foi por erros elementares de Fidel Castro e seus colegas, mas, acima de tudo, por via do embargo imposto pelos Estados Unidos e seguido pelos Estados lacaios ocidentais. E também a ampla liberdade que se pôde ver, com a natural exceção para aqueles que trabalhavam para os Estados Unidos, fosse de um modo direto ou indireto.
A intervenção política de Fidel Castro contagiou praticamente todo o subcontinente americano, apenas sendo parada por via das mil e uma manobras da CIA, fraudulentando eleições livres e apoiando ditadores os mais cruéis onde fosse necessário à materialização da sua grande estratégia. Também em África se fez sentir a intervenção de Cuba sob o comando do Governo de Fidel Castro. Precisamente o que teve lugar em Angola, sendo essencial ler a obra de John Stockwell a este respeito. Por ela se vê a ligação profunda dos Estados Unidos e da África do Sul do Apartheid, ambos ao lado da UNITA, por entre nós acompanhada pelo PS e pelo CDS. E não deixa de ser interessante constatar a habilidade do segundo, conseguindo pôr um cobro sincero numa infeliz aposta que caiu por terra. Um resultado em que foi decisivo o apoio massivo das Forças Armadas de Cuba, que deixaram para trás a própria União Soviética.
Este impacte do pensamento político e da sua ação por parte de Fidel Castro acabou mesmo por vir a estar presente um pouco por todo o mundo. No Ocidente e nas zonas por si dominadas estiveram presentes os que criticavam o líder cubano, apesar de reconhecerem a sua importância pública mundial. Do lado da parte restante do mundo, onde a grande maioria dos povos se via explorada pela máquina montada, em essência, pelos Estados Unidos, as populações e boa parte das lideranças políticas estiveram sempre ao lado das suas posições. Um balanço incontestavelmente positivo, desde que o tema seja apreciado à luz do binómio riqueza-pobreza.
Por fim, um dado que considero muito interessante e significativo: o modo como Donald Trump e Barack Obama trataram o falecimento de Fidel Castro. Do primeiro, a clareza, embora marcada pelo modo bestial que é o norte-americano. Do segundo, o cinismo, sempre tão presente nas manifestações públicas dos democratas. Um dado é certo: a personalidade política de Fidel Castro marcou a História Mundial no Século XX, acabando mesmo por se constituir na última grande personalidade política deste mundo em decadência, sem valores e que reduziu a democracia a simples palavra enganadora.