A guerra do Papa Francisco

|Hélio Bernardo Lopes|
A recente visita do Papa Francisco a Cuba e aos Estados Unidos concitou atenções por todo o lado, muito em particular entre nós. A uma primeira vista, tudo pareceu ter decorrido bem, embora tenham surgido vozes com algum acerto, até de católicos portugueses, que vêm agora protestar contra um Papa político.

Um ponto em que têm razão e também a não têm, porque as posições de Francisco, naturalmente, têm um impacto muito limitado, uma vez que se esboroam rapidamente na torrente informativa geral e predominante. Basta que se pense, por exemplo, naquela ideia de acolher uma família de refugiados em cada paróquia, sem que se saiba se a segunda paróquia do Vaticano já acolheu uma outra depois da primeira. E do caso português, bom, o melhor é fazer por esquecer as palavras do cardeal Clemente em Roma...

A consequência desta realidade é simples: o mundo vai de mal para pior, com mil e um a perorar, procurando uma importância aparente que já não é reconhecida nos seus países. Uma realidade que se pôde observar à saciedade nas recentes intervenções nas Nações Unidas. Olhando com um pouco de atenção, sobressaíram três líderes: Obama, Putin e Raul Castro.

Achei graça à exigência de Raul Castro, que pediu, no seu discurso na Assembleia Geral da ONU, o fim do embargo a Cuba sem condições. A verdade é que Obama logo referiu que as reformas em Cuba aumentarão o efeito das mudanças adotadas pelo seu Governo para aligeirar o embargo à ilha. Mas que reformas? Bom, a chamada democracia à moda americana, que num ápice permitirá a retoma dos interesses de Cuba por mãos de gente americana. Este diálogo traz-me ao pensamento uma pequena palestra de Zita Seabra na Sociedade de Língua Portuguesa, quando começou a afastar-se do PCP. Defendeu ali que era um bom caminho o do comunismo de rosto humano, que estava a ser implantado na antiga União Soviética por esse mestre mundial da política que era Gorbachev. Sabemos hoje o que se passou.

Ao tempo, ninguém imaginava que poderia ter lugar uma nova guerra mundial, para mais com o recurso amplo a armas nucleares. Agora, porém, já sem o comunismo soviético e com o democrata e Nobel Obama na Casa Branca, o Papa Francisco diz-nos que está já a decorrer uma nova guerra mundial, mas aos pedaços. E se Francisco diz isto, de pronto Donald Trump vem reconhecer o que venho escrevendo desde há um bom tempo a esta parte: os seus rivais republicanos querem começar a Terceira Guerra Mundial por causa da Síria, sugerindo que os Estados Unidos deixem a Rússia resolver o problema. Bom, caro leitor, uma tal clareza e verdade nem ao Papa Francisco foi possível ouvir até agora.

Mas Trump foi bem mais longe, ao reconhecer que Bashar al-Assad parece ser um pouco melhor do que o Estado Islâmico. E, por fim, Donald também criticou o programa de treino, pelos Estados Unidos, da tal oposição – democrática...– a Bashar al-Assad, com que se pretende colocar no poder sírio um novo Poroshenko...

Simplesmente, sabe-se agora que, à última hora, os Estados Unidos bloquearam uma proposta da Rússia, atualmente a presidir ao Conselho de Segurança. Essa proposta tratava a questão do terrorismo na região do Médio Oriente, mas também no norte africano. Bom, para os Estados Unidos era, obviamente, demasiado... De resto, o problema está longe de se centrar no terrorismo, estando também em causa quem o promoveu e o alimenta, como se dá, no mínimo, com a Arábia Saudita.

Com grande clareza e verdade, as autoridades iranianas chamam a atenção para o facto de que os Estados Unidos não têm como objetivo regularizar o conflito na Síria, mas sim derrubar o presidente Bashar al-Assad. Faltou-lhes dizer que se seguiria a chegada de um novo Poroshenko ao poder, assim se operando, um pouco mais, o cerco norte-americano à Rússia.

No entretanto, a miséria e a guerra lá vai prosseguindo no continente africano, e com o subcontinente americano já a ficar à mercê dos interesses de sempre dos Estados Unidos. Sempre em nome da (dita) democracia e dos Direitos Humanos – e como nós conhecemos bem esta conversa...–, aqueles países acabarão por ser vendidos a pataco, tal como se vem dando com o caso português.

Enfim, olhando com atenção, percebe-se que os efeitos da visita do Papa Francisco a Cuba e aos Estados Unidos terão sido quase nulos. No fundo, tudo está sensivelmente na mesma, continuando a caminhar-se para a passagem da guerra mundial aos pedações para uma outra, mas com bombeiras inteiras e de última geração. E como seria de esperar, lá voltarão a surgir o Japão e a Alemanha no meio da desgraça. E tudo, naturalmente, no meio da mais ampla democracia... É isso: temos a democracia.

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