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|Hélio Bernardo Lopes| |
E é vasto o conjunto das razões para que assim viesse a ser: o triunfo mundial do neoliberalismo, a posição política da Alemanha, da União Europeia e dos grupos de interesses financeiros, a falta de combatividade e de clareza do PS, a sua quinta coluna, fortemente ligada àqueles interesses, e o expectável culminar de uma ação política já com quatro décadas, sempre cedendo em face dos interesses da direita.
Para lá de tudo isto, nunca esqueci a previsão de um estudioso norte-americano, que, aí pelo início da década de oitenta do passado século, salientou que existia em Portugal um partido a mais. Houve quem pensasse no CDS, no PSD ou no PS, porque os restantes, obviamente, não eram significativos. E, de facto, esse partido poderia ter sido o PSD, mas se a União Soviética não tivesse colapsado. Seria sempre difícil ser o CDS, porque as bases deste partido estiveram sempre ligadas ao ambiente católico. As bases e os dirigentes.
Acontece que a União Soviética, como agora Cuba, acabou por ir na onda oratória dos Estados Unidos, o que levou ao triunfo neoliberal e à tentativa do PS de se salvar recorrendo, precisamente, a um alinhamento com este tipo de ideias, embora sempre com uma preocupação social. Foi essa a razão dos queixumes, em dada fase, de Manuela Ferreira Leite, referindo-se ao PS de Sócrates: eles ocuparam o nosso espaço político. E foi também essa a razão por que Angela Merkel tão furiosa ficou com Pedro Passos Coelho, quando o PSD e o CDS/PP precipitaram a queda do Governo de Sócrates, já com o PEC IV aprovado pelos que realmente mandam na famigerada União Europeia. Para os grandes interesses, o PSD e o CDS/PP chegam e sobram, sendo que os desafortunados do neoliberalismo já só com um esforço enorme poderiam esperar uma real mudança por parte do PS, fosse com António Costa ou com qualquer outro. E, diga-se com verdade, António Costa ainda era o melhor e com maior formação humanista. Vale a pena, porém, recuar um pouco na História, procurando perceber como a política do PS, ao longo da III República, acabaria sempre por conduzir o partido a esta situação.
O tempo da II República, com Salazar ou Caetano, teve sempre e só um partido, que era o Partido Comunista Português. O resto era um conjunto, mais ou menos variável, de intelectuais oposicionistas. Como muito bem referiu há cerca de ano e meio, Amadeu Garcia dos Santos, esses oposicionistas – era o caso de seu pai –, de um modo muito amplo – existiam exceções –, rapidamente batiam em retirada ao primeiro risco aparente.
A esta realidade sempre se juntou uma população com um mui limitado interesse na democracia, tal como pude já explicar por diversas vezes. Ora, estas duas realidades determinaram que o regime constitucional da II República se tivesse mantido por quase cinco décadas. Até com a defesa das antigas províncias ultramarinas ao longo de bem mais de dez anos.
Que o PCP era o verdadeiro único partido na II República ficou bem patente nas eleições de 1969, onde a CEUD não foi além de metade da votação da CDE, a primeira dos chamados democratas à ocidental, a segunda essencialmente dominada por gente do PCP.
Mas Marcelo Caetano esteve longe de conseguir enfrentar o desenrolar dos acontecimentos portugueses na segunda metade do seu consulado, acabando por gerar no seio da nossa comunidade a ideia de que uma mudança de regime constitucional poderia vir a ter lugar. E foi neste contexto que Álvaro Cunhal e Mário Soares, com as suas equipas, aprovaram em Paris um conjunto de linhas políticas comuns para um futuro democrático de Portugal. Sem que soubessem da realidade que estava a ter lugar em Portugal, esse acordo teve lugar cinco dias antes da Revolução de Abril. Nele se previa a reforma agrária, as nacionalizações, o surgimento dos partidos e uma nova constituição, a ser criada democraticamente.
No entretanto, surgiu a Revolução de 25 de Abril. A uma primeira vista, tudo pareceu ser uma alegria, com praticamente toda a gente a apoiar e a defender a democracia e a liberdade surgidas. Era, porém, algo de muito aparente, porque nesse mesmo dia de pronto começou a organizar-se uma reação contra o que se dera. Não, obviamente, para repor o que estava, mas para criar uma democracia que fosse uma simples fachada, destinada a legitimar o poder, independentemente do que fossem os anseios fundos e legítimos dos portugueses.
Num ápice, o PS deitou o tal acordo de Paris às urtigas, passando para o lado diametralmente oposto. Perante os receios dos Estados Unidos, o PS de pronto se transformou no garante do funcionamento da democracia, assim se demarcando, até doentiamente, do PCP, como se Álvaro Cunhal alguma vez tivesse a falta de senso para aqui fazer vingar um regime de tipo comunista! Até Adelino da Palma Carlos, na entrevista que concedeu a Helena Sanches Osório, expôs o pedido que lhe fez Álvaro Cunhal, no sentido de não deixar o controlo do Governo, porque existia o risco de o poder cair na rua.
E lá surgiram as eleições para deputados à Assembleia Constituinte. Com algum espanto para mim, a verdade é que o PS ficou a razoável distância dos quarenta pontos percentuais. Em contrapartida, o PCP teve um muito bom resultado, embora inferior ao que muito boa gente havia imaginado. Uma realidade bem mais esperada que a anterior.
Com a chegada das primeiras eleições para a Assembleia da República consolidou-se a tendência que já se materializara com o PS: voltou a ser o partido mais votado, mas também voltou a decrescer na percentagem de votos. Iniciava-se, deste modo, uma tendência histórica que nunca viria a desaparecer, incluindo depois de ter terminado o comunismo soviético: a permanente preferência do PS por coligações com o CDS e com o PSD, sempre colocando de lado o PCP. Primeiro, com o argumento do perigo comunista; hoje com o da nossa presença na famigerada União Europeia e na Zona Euro, sempre sem consulta aos portugueses. Além do mais, com Portugal já sem soberania e reduzido a um autêntico protetorado. Um domínio em que é importante recordar aqui uma das CONVERSAS EM FAMÍLIA de Marcelo Caetano: sem o Ultramar Português, Portugal ficaria reduzido a uma província da Europa.
Sempre marginalizando o PCP – o argumento era, naquele tempo, o do perigo comunista –, o PS lá acabou por ligar-se ao CDS. Mas só enquanto conveio a este, porque quando esse Governo de Soares caiu, Adelino Amaro da Costa foi bem claro: aliámo-nos a eles para os destruir. E surgiu a AD, liderada por Francisco Sá Carneira, Diogo Freitas do Amaral e Gonçalo Ribeiro Teles, também com o apoio do (ditos) Reformadores, naturalmente saídos do...PS. Simplesmente, ninguém desejava ter na política Francisco Sá Carneiro, o que acabou por culminar no seu homicídio e no dos seus acompanhantes da viagem daquela noite. E se o Presidente da República e o Governo de então falharam rotundamente no tratamento do caso, a grande verdade é que todos sempre do esclarecimento do mesmo fugiram. Por uma sorte inexplicável, o PCP, que nada teve que ver com o atentado, lá acabou por não ser acusado de ser o responsável pelo crime. Não ganharam para o susto, como depois voltou a dar-se com a falhada e inexistente “Revolução dos Pregos”.
O tempo passou, o poder ia chegando e partindo, até que surgiu o Governo do Bloco Central. E com quem é que o PS se coligou? Pois, com o PSD de Carlos Mota Pinto, que acabou por viver um autêntico inferno no interior do seu partido. Mais uma vez, como sempre foi tendo lugar, o PS optou por marginalizar o PCP, naturalmente à luz do argumento da Guerra Fria e do perigo comunista. Hoje, já sem Guerra Fria nem o perigo comunista, a causa é a diferença de pontos de vista sobre a presença de Portugal na União Europeia e na Zona Euro, situações que têm trazido aos portugueses um excecional bem-estar e segurança, pessoal e familiar...
Num ápice, surgiu um novo problema: o PRD, apadrinhado pelo Presidente António Ramalho Eanes. Provocou no PS um fantástico susto, mas a verdade é que tudo não passava de uma iniciativa repleta de grande amadorismo. Assim como chegou, num ápice seguinte desapareceu. Simplesmente, o fenómeno PRD mostrou que a tal vontade inicial de esterilizar a democracia nascida com a Revolução de 25 de Abril continuava viva. Como se torna evidente, a manutenção do PRD – destinava-se a destruir o PS e não o PSD – na cena política portuguesa levaria a um enfraquecimento fatal do PS, que foi, a partir de certo momento, um objetivo supremo da direita da III República, política ou militar. Sobretudo, depois de se ter percebido que tal desaparecimento permitiria uma redistribuição do poder entre os partidos dessa direita que sobrassem ou viessem a nascer.
Com o triunfo de Mário Soares, esta aspiração teve de arrefecer. E foi esta vitória de Mário Soares que evitou o fenómeno da Maioria-Governo-Presidente de direita, que nestes últimos quatro anos os portugueses puderam ver à saciedade. Sem essa vitória de Soares, ou com a vitória de Soares Carneiro sobre Eanes, os portugueses teriam conhecido o que agora experimentaram, mas muitas décadas antes. Realidades que permitiram perceber o importante papel político e constitucional do Presidente da República. Se no lugar de Aníbal Cavaco Silva tivesse estado Louçã, Alegre ou Jerónimo, nunca PSD e CDS/PP teriam feito quanto pôde ver-se. Tudo teria sido completamente diferente.
Começou, por esta altura, a fantástica leva de casos envolvendo gente da classe política com o setor da Justiça. Precisamente o que se deu, em dias sucessivos, com Carlos Melancia e com Leonor Beleza. Em ambos os casos e por caminhos diferentes, tudo se saldou na absolvição de ambos. A verdade é que com Cavaco Silva surgiu no Portugal da III República, pela primeira vez, um Governo de legislatura completa com maioria absoluta. Uma situação que viria a repetir-se. É que a presença de Mário Soares como Presidente da República impediu um qualquer outro caminho que, porventura, pudesse ser prosseguido com um presidente oriundo da direita.
Acontece que, desde o Governo do Bloco Central, as cedências às exigências da direita passaram a ser coisa corrente. Tudo foi passando a poder ser tratado pelo setor privado, sempre à luz do falso princípio de que só os burros não mudavam e que uma sã competição entre os setores público e privado seria sempre positiva... E quem operou e pôs em prática esta política? Pois, o PS. Mormente o PS de Mário Soares, o tal que nem por sombras se aproximou, desde os tempos da Assembleia Constituinte, de uma maioria absoluta.
Olhando com um pouco de atenção, facilmente se percebe que a generalidade dos antigos líderes do PS de há muito se afastaram liminarmente do partido. Em boa verdade, já nada têm que ver com qualquer ideia socialista, se é que algum dia realmente a tiveram. Objetivamente, o PS envelheceu, acabando afunilado pelas posições que foi assumindo.
Foi preciso que José Sócrates tivesse chegado à liderança do PS, embora com o PS em condições deveras especiais, para que o partido – finalmente! – tivesse conseguido uma maioria absoluta. Ainda assim, um resultado que apenas se manteve por uma legislatura. Só que a política prosseguida foi objetivamente neoliberal, ainda que com preocupações sociais. De facto, um abismo em face da desgraça social criada pela coligação do PSD e do CDS/PP. Simplesmente, surgiu a crise mundial, o que permitiu perceber – e bem ao vivo...– que Portugal se encontrava já, de facto, sob o comando da Alemanha e dos grandes interesses que esta representava. E se a Alemanha aconselhou endividamento e aumento da liquidez, o PS de Sócrates foi por aí, mas para logo seguir o caminho inverso mal a Alemanha decidiu ao contrário.
Nasceu deste modo, com o fantástico apoio do PCP e do Bloco de Esquerda, o histórico sonho de Francisco Sá Carneiro: uma Maioria-Governo-Presidente de direita, que acabou por conduzir a generalidade dos portugueses ao estado que se conhece. Como sempre se teria podido estimar com garantia, tudo passou a centrar-se numa gigantesca vaga de privatizações e no caminhar paulatino para a destruição do Estado Social. Eram sonhos muito antigos, desde sempre almejados pela direita portuguesa, e que o PCP, já sem razão válida para pensar noutra causa que não na sua própria salvação, acabou por ajudar a materializar. Objetivamente, só foi possível chegar ao atual estado de coisas por via da ação política do PCP, acabando por aliar-se com a direita e transformando o PS no seu principal inimigo.
Por detrás de toda esta realidade interna esteve o fim do comunismo na antiga União Soviética, que precipitou o triunfo neoliberal e a perda essencial do significado do voto democrático. Mas também o modo português de estar na vida, em geral muito desinteressado da política, o que se constitui em ouro sobre azul para os grandes interesses hoje instalados em Portugal. O bem-estar no Ocidente era uma jogada tática, destinada a retirar a razão de poderem os descontentes vir a cair no voto comunista. Claro que, desaparecido o comunismo, deixou de se justificar o grau de bem-estar taticamente concedido.
Um pouco por todo o mundo, vai-se assistindo ao fim dos partidos ditos socialistas democráticos ou social-democratas. E quando agora surge Corbyn no Reino Unido, os seus grandes adversários são logo os ainda ditos partidos socialistas democráticos ou social-democratas. O resultado deste comportamento de tais partidos chegou sob a forma de perda de soberania, guerra mundial aos pedaços – por enquanto – e venda da riqueza nacional a pataco. A crise alastrou por quase toda a famigerada União Europeia e é o próprio espaço europeu que hoje vê uma invasão humana materializada por aqueles que são as vítimas das guerras criadas pelo Ocidente nos seus países.
Ao mesmo tempo e entre nós, para lá de quase tudo ter falhado, houve um falhanço que se mostrou verdadeiramente terrível: o do Sistema de Justiça, que raramente conseguiu um mínimo de êxito no combate ao grande e omnipresente cancro da sociedade portuguesa e que é a corrupção. A corrupção e a criminalidade organizada transnacional, que por aqui passa desde sempre, facto que tantos negaram durante tantos anos. Invariavelmente, produzem-se palavras, artigos, colóquios, congressos, mas a verdade é que não se consegue levar a carta ao Garcia. Se Jimmy Carter tem razão quando aponta os Estados Unidos como uma oligarquia apodrecida, a verdade é que a dita democracia portuguesa se constitui numa estrutura hoje sem real representatividade e que simplesmente não é sentida e muito menos vivida. Chegou-se ao ponto, no Portugal destes dias, de se votar por medo. O medo de perder o pouco que resta, ou o medo de deixar de ter um partido para viver, ou de o de perder os chorudos benefícios conseguidos nestes quatro anos.
Neste entretanto, o PS criou no seu seio uma ala direitista que em nada destoa do atual PSD. Viu bem o problema Mário Soares, mas era melhor que o tivesse visto no tempo final de Sócrates, quando por aí foi sendo entrevistado à saciedade, sempre a garantir que Pedro Passos Coelho era um jovem simpático e com quem se podia dialogar. Olhando o que depois veio a dizer, há que reconhecer que toda esta ação foi mais uma das suas históricas derrotas estratégicas. E é sempre bom não perder de vista essa outra derrota estratégica com a inacreditável aposta na UNITA.
Há já alguns meses, Mário Soares voltou a fazer mais uma das suas apostas estratégicas, ao apoiar António Sampaio da Nóvoa como candidato ao Presidente da República. Jogou muito bem, mas se dispusesse de um partido sem um conjunto de dirigentes, mais ou menos adormecidos, a quem só falta promover a inscrição no atual PSD. É esse conjunto que agora irá tentar catapultar Maria de Belém para o lugar presidencial, o que bem poderá vir a receber o apoio estratégico do PSD e do CDS/PP. Terei sido, porventura, a primeira pessoa em Portugal que apontou esta mesma estimativa.
De um modo algo inacreditável, é hoje mais difícil discutir – só discutir e preparar o tereno – uma saída da Zona Euro, que fazer o mesmo, na II República, com as independências das antigas províncias ultramarinas. Objetivamente, já não somos um país soberano, e muito menos um entre iguais, como pomposamente tantos foram dizendo ao longo dos anos.
Desta vez, faltou ao PS uma estrutura capaz de campanha. É possível que a causa possa ter estado num texto de uma jornalista mui referente: falta de dinheiro e de gente. Só quem já dirigiu, em coligação ou não, uma campanha ao nível distrital, pode facilmente perceber que o caminho prosseguido pelas estruturas do PS esteve a anos-luz do que se impunha.
Por fim, volto a recordar a histórica tese de doutoramento de um norte-americano, por aqui muito falada no início da década de oitenta do século passado. Concluía aí o autor que existia em Portugal um partido a mais no espetro político. Uma afirmação que tem de ser olhada pelo ângulo do que se designou como conjunto de partidos do arco de poder.
Por razões agora inúteis de expor, esse partido não podia ser o CDS, restando o PS e o PSD. Hoje, a uma primeira vista, esse partido bem poderá vir a ser o PS. Uma realidade que se suporta na estrutura social dos votantes do PS e nas expectativas de uma mudança justa com um Governo do PS. Um PS que parece não compreender que, para prosseguir as políticas destes quatro anos, já existe quem as faça melhor e com convicção.
Veremos agora no que irão dar as próximas eleições presidenciais e, logo depois, as autárquicas. Um dado é certo: se a Igreja Católica procedesse como o fizeram Marcelo Caetano, Gorbachev ou a liderança do PS – e logo desde o início –, já tinha visto chegar o seu fim. É preferível morrer de pé mas com valores, que ir sendo tudo o que vier a talhe de foice. Agora, coitados dos portugueses...