Uma estratégia suicida

|Hélio Bernardo Lopes|
Os mais recentes episódios ao redor da Operação Marquês, mormente a última carta de José Sócrates, vieram mostrar que a estratégia que vem sendo seguida por este – digamos assim – não surte um ínfimo de efeito. Fico até com a sensação de que se trata de uma estratégia suicida, que nunca lhe trará um ínfimo benefício.

Creio estar firmemente certo de que este caso da Operação Marquês de há muito deixou de concitar a atenção da generalidade dos portugueses. Mesmo tendo em conta o modo português de estar na vida, evitando comprometer-se com o que quer que seja, e sendo até uma realidade – é o que sempre fui vendo – que os portugueses nunca terão completamente acreditado na explicação dada pelos políticos do atual Governo, a verdade é que quase deixou de se falar no caso de Sócrates e dos nossos restantes concidadãos. É um caso a correr pelo Sistema de Justiça, daí não saindo.

Sendo isto uma realidade, torna-se estranha a persistência em escrever cartas com mil e uma explicações, para mais sobre temas que a generalidade dos portugueses desconhece. Uma coisa são as manchetes, outra um interesse e uma atenção que, a terem lugar, quase transformaria os leitores desses jornais em especialistas no tema. Objetivamente, os portugueses já não ligam um infinitésimo a este caso, sendo que o mesmo só continua a ser acompanhado, em essência, pelas pinceladas noticiosas surgidas nos canais televisivos. E se estas se ouvem em certa noite, num ápice a bola ou a telenovela as levam para mais longe que o vento.

Se eu fosse amigo de José Sócrates, dar-lhe-ia o conselho de que aproveitasse o seu tempo para gizar uma estratégia destinada a continuar mais estudos, mas por igual a escrever algumas obras sobre a sua vida global, sobre a sua juventude política, sobre a sua passagem pelo poder e sobre a realidade que viveu, sobretudo, como Primeiro-Ministro de Portugal. Raros deixariam de o apoiar em todas estas iniciativas. E porque não tentar a poesia, ou o conto, ou o romance, por exemplo?

Se José Sócrates conseguir recordar-se da trajetória política de Álvaro Cunhal – há um abismo intelectual a separá-los, como é óbvio –, este seu tempo forçado de paragem, de parceria com o que poderá seguir-se se vier a ter lugar uma acusação e um julgamento, bem poderão permitir-lhe materializar uma obra que até poderá, um dia, vir a ser recordada e respeitada. E, mesmo partindo da hipótese pessimista de uma condenação, tal nunca impedirá que possa usar o seu tempo com a finalidade de dar a conhecer de si mais do que os portugueses já puderam ver. Mais e diferente.

Por fim, as consequências para o PS. Nunca acreditei (e continuo a não acreditar!) que este caso da Operação Marquês viesse a ter repercussões sobre o resultado da próxima eleição para deputados à Assembleia da República. Os portugueses têm hoje uma ideia precisa e bem arreigada de que a sociedade portuguesa será como há perto de um ano alguém contou: uma sociedade onde a corrupção está fortemente democratizada. Portanto, mesmo que o antigo Primeiro-Ministro venha a ser condenado – e ainda não foi, estando inocente até aqui –, isso só às pessoas da Operação Marquês diz respeito, e não ao PS. Tal como se dá com o PSD e com tudo quanto veio a recair sobre concidadãos proeminentes deste partido.

De tudo isto, tiro uma conclusão: Sócrates não deve dizer que fez o que não fez, mas não tem um infinitésimo de vantagem em andar a escrever cartas em sua suposta defesa, até porque quase ninguém liga já a este caso. Se não fossem alguns jornalistas a trazer este caso para as televisões, tudo se passaria como se o mesmo tivesse já terminado. É uma estratégia inútil e suicida.

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