A realidade da União Europeia

|Hélio Bernardo Lopes|
O recente referendo que teve lugar na Grécia permitiu mostrar esta realidade que é já hoje indiscutível: a democracia que se vive na generalidade dos Estados da União Europeia é mera fachada.

Uma fachada determinada pelo imperativo de dar aos cidadãos a sensação de que têm poder e podem, por isso, escolher o seu caminho. Milton Friedman, embora falaciosamente, incluía também o voto na sua LIBERDADE PARA ESCOLHER, como os chilenos tão dolorosamente puderam perceber. Os chilenos e uma imensidão de outros.

Tive já a oportunidade de explicar a razão que levou – continua a levar, com o Tratado Euro-Atlântico, atualmente a ser gizado pela União Europeia e os Estados Unidos – a União Europeia a praticamente deixar de ligar ao valor da democracia, dado o triunfo neoliberal pós-comunista. Em todo o caso, a situação é ainda pior do que poderia ser em face da baralhada sem nexo em que se constitui a própria União Europeia destes dias: uma verdadeira borracheira.

Os menos preparados política e historicamente, volta que não volta, vêm a terreiro em defesa de uma federação europeia, à semelhança da construção histórica dos Estados Unidos. São, em essência, ignorantes ou interesseiros, porque a divisão que se operou nas antigas Checoslováquia e Jugoslávia, ou que já esteve prestes a suceder com a Escócia e com a Bélgica e que bem poderia suceder em Espanha, mostram que a Europa não é uma unidade, antes uma vasta multiplicidade de povos com religiões, línguas, tradições, fronteiras, etc., as mais diversas. Nada disto tem que ver com a fundação dos Estados Unidos.

Similar seria os Estados Unidos, de parceria com o Canadá – também já não constitui uma unidade isolada –, com o México e com os Estados que se situam logo na sua fronteira sul, formarem uma nova União e com uma nova moeda comum. Bom, não são tolos, ao contrário dos políticos europeus, que se determinaram a embarcar numa aventura que levou à pobreza uma vastíssima legião de europeus e divisões entre Estados da Europa por razões meramente materiais. Até humanitárias!

As fragilidades unanimemente reconhecidas na construção do euro têm uma causa simples: o euro não é a moeda de uma unidade estadual, mas de uma miríade de Estados historicamente independentes e com importância no legado histórico amplamente variada. Qualquer alemão, logo pela manhã, quando se levanta e olha o espelho do quarto de banho não diz: ahhh, eu sou europeu! O alemão de hoje, com as naturais adaptações históricas, é como o alemão de sempre, orgulhoso de Wagner e dos mil e um feitos dos teutónicos, sendo que muito deles só não dão vivas a Hitler porque – talvez por enquanto – ainda não é possível. Será que alguém acredita que quem vivia em Munique não sabia que existia Dachau, a sete quilómetros de distância?

Ora, esta realidade permite até ir-se um pouco mais longe que Marine Le Pen, quando agora veio dizer que o que aconteceu à Grécia é a constatação do falhanço do euro como moeda única. Claro que tem razão, mas a verdade é que a atual União Europeia, fruto da sua estrutura, não é uma objetiva democracia. Tal como referiu há dias Diogo Freitas do Amaral, ela é uma ditadura sobre democracias. Vejamos o que se passa.

Cada Estado da União Europeia dispõe de um Sistema Político democrático. Nestas circunstâncias, elege os seus deputados, por vezes – muitas – o próprio líder presidencial. À luz de cada uma das constituições nacionais, aprova o seu orçamento. Simplesmente, este orçamento, que materializa linhas escolhidas por eleitores em número maioritário, pode ser parado, modificado, desvirtuado, etc., por gente que não foi eleita por ninguém e que pode até ter uma opção ideológica distinta de muitos dos eleitos nacionalmente.

Note-se, por outro lado, que a generalidade dos órgãos da União Europeia não é eleita, antes fruto de arranjos entre os poderosos. Essa foi sempre a razão para se escolherem personalidades cinzentas, em geral oriundas de Estados pequenos ou, sendo grandes, com influência histórica fraca. É o caso, por exemplo, da Itália, que também teve um Presidente da Comissão Europeia. Sem estranheza, não surgem nestes lugares personalidades alemãs, francesas ou britânicas. Daria um ar de evidente poder, ao passo que, vindo de um Estado pequeno, consegue gerar o efeito de que até um desses Estados pode ter um líder da Comissão Europeia. Simplesmente, quem realmente manda são a Alemanha e, vá lá, a França, com o Reino Unido sempre no lugar que o guindou a um ponto singular de respeitabilidade histórica: nunca se rendeu incondicionalmente nem se deixou levar para a posição de colaboracionista com um qualquer invasor.

Pois, foi esta Europa que se determinou a aceitar a entrada na Grécia no seu seio, sabendo desde sempre que os dados apresentados não correspondiam à realidade. E foi um grande banco mundial que ensinou as autoridades gregas a ludibriarem, ainda mais e melhor, as entidades europeias. Se não tivesse surgido a crise mundial nos Estados Unidos, com elevada probabilidade, o endividamento grego teria prosseguido. E tudo, naturalmente, sempre cantando e rindo.

Onde Marine Le Pen se mostra insuficiente é quando refere que as moedas nacionais devem voltar, depois de se rearranjar a falácia em que se tornou a União Europeia. Claro que tem razão, mas faltou-lhe referir que toda esta União Europeia fere a natureza histórica e real dos Estados que a compõem. A União Europeia de hoje, como pude já explicar, é uma realidade política antinatural. É por isso que se transformou numa ditadura sobre democracias. No fundo, é uma superestrutura política não eleita, mas que pretende governar um continente formado por Estados historicamente independentes.

Por tudo isto, eu penso como João Ferreira do Amaral: assim como Portugal deve sair da moeda única, a Grécia deve sair desta e da União Europeia. Terá custos grandes? Claro que sim! Mas os gregos já hoje sabem que com a União Europeia que existe o caminho será o da continuação e do aprofundamento da desgraça criada, praticada, apoiada e consentida.

Por fim, uma pequena nota, mas que só pode ser plenamente percebida por gente já com algumas décadas de vida. Olhando a Grécia, a Itália ou os árabes pelo cinema norte-americano, nós facilmente nos recordamos do menosprezo com que os seus povos eram tratados. Alguém se recorda de um filme onde os árabes tenham sido bem tratados depois do Lawrence da Arábia? Eu não recordo. E podíamos juntar àqueles países a Bulgária, a Roménia, a Albânia, a Macedónia, até mesmo a Hungria, a Turquia, etc..

O futuro da Grécia e do Povo Grego não será fácil, mas não vale a pena continuar à espera da União Europeia que existe para resolver um problema que, em mui boa medida, ela mesma ajudou a criar. Só por medo do desconhecido a maioria dos Estados Europeus continua a defender a Grécia na União Europeia e com o euro. Simplesmente, a Grécia tem de mudar e de se modernizar, mormente ao nível da administração do Estado. Pois que o faça através de outro tipo de aliados, e esqueça a União Europeia e quem nesta os humilha e impede que saiam do monte de escombros para que foram atirados e assim permitiram. Não há outro caminho.

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