No meu tempo havia cassetes

|Tânia Rei|
Agora que o Wareztuga encerrou, depois de ser descoberto alojado na Roménia, e numa altura em que a Internet ainda sangra (não se via tamanha tragédia desde que o MegaUpload nos deixou), tenho pensado muito na altura em que para ver um filme era preciso muito mais do que comprar chocolates ou pipocas e abrir um link.

Em tempos antigos, que parecem ter sido há séculos, para ver um filme era preciso levantar o rabo do sofá e ir a um videoclube. Ora, um videoclube era um saudoso sítio onde havia cassetes VHS e gomas. Depois passou a haver DVDs e gomas. Mais adiante, alguns passaram a ter material porno e gomas. Por fim, ou passaram a ser casas de gomas, ou encerraram.

Este era um sítio onde éramos obrigados a ler – por muito que o título do filme fosse apelativo, tínhamos de virar a tampa para ler o verso, a sinopse, para saber sobre o que era a película. Não havia trailer em todo o lado, nem críticas cinematográficas. E não havia a opção de, se não gostássemos, simplesmente fazer “retroceder” e escolher outro. Não, que aquilo era pago, e sabe-se lá o tempo que muitas vezes tinha de se mendigar aos pais umas moedas para ir alugar um filme.

Outra grande diferença era o facto de, se quiséssemos rever o filme, no tempo do VHS, tínhamos de rebobinar tudo, e, mediante o tempo de duração do filme, era coisinha para demorar. Pelo menos, dava tempo para ir fazer chichi, beber água e encher as mãos com as ditosas gomas. Na altura, não via séries, mas nem imagino como seria. Certamente, havia mais edições a sair com os jornais e daquelas colecções em que o primeiro número é barato, mas depois fica caríssimo, e continuamos a comprar com pena de não terminar.

Nesta altura, além das cassetes e DVDs que se vendiam na feira, que eram gravados no cinema (as chamadas versões CAM nos primórdios da pirataria, que só funcionavam uma vez ou duas, no máximo, e que era a única forma também de vermos filmes que ainda estavam no cinema), para vermos um filme fora do horário da TV (quando passavam filmes na televisão dois dias por semana), só havia uma outra alternativa, que era comprar cassetes virgens e gravar numa tarde de domingo num canal qualquer, o que era sempre uma adrenalina, porque podíamos mudar de canal e, no entretanto, o intervalo acabar. Logo aí, perdíamos uma parte do filme, irrecuperável, até que passasse novamente na televisão. Era uma adrenalina não só por este motivo, mas também porque se a cassete fosse roscofe corríamos o sério risco de ter uma gravação de qualidade duvidosa, e só íamos saber isso volvido o filme toda e volvida também a cassete toda para trás.

Voltando aos videoclubes, era giro era ir com muita gente, para escolher em grupo. A malta separava-se por ali, cada um para sua secção, e depois era gritar o mais que pudéssemos para argumentar por que é que devíamos ver uma comédia e não um de terror, e por aí adiante. Era também mais complicado ter acesso a determinado tipo de filmes, por culpa da idade ou do constrangimento que era levá-los ao balcão.

Havia cartões de sócio, para ser mais barato o aluguer, e era, pois, necessário devolvê-los no tempo extipulado. O que acontecia também, quando havia filmes da moda, era ter que esperar que houvesse cassetes e/ou DVDs disponíveis, porque nem toda a gente cumpria as datas de entrega.

Nesta altura, um filme não era descartável. Era uma preciosidade. Quem os tinha em abundância, até os exibia em prateleiras. O cinema não estava lá sempre, nós é que íamos saber dele, e o levávamos para casa por alguns dias ou horas. Eram outros tempos, e, em pouco tempo perdeu-se tempo para apreciar um bom filme, e só ficou o tempo de comer gomas e abrir links em blu-ray e full HD.

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