De Belém, mais do mesmo

|Hélio Bernardo Lopes|
Nunca me poderia ter passado pela cabeça acompanhar o mais recente discurso do Presidente Cavaco Silva na noite de ontem, especialmente dedicado aos portugueses, no dia em que se iniciava este novo ano. De há muito perspetivava o respetivo conteúdo, com que nunca me identifiquei, como vejo com a generalidade dos concidadãos com que convivo.

Tal como se veio a dar, seria mais do mesmo, materializado num incondicional apoio à política de austeridade da atual maioria governante. Além do mais, assentando em dados bem fora de toda a realidade vivida por quase todos os portugueses, pondo até de lado os reparos recentes de instâncias internacionais, claramente alinhadas com a referida maioria.

A verdade é que teria de tomar conhecimento concreto e ponderado sobre o discurso presidencial, para o que recorri, já pelas dez e meia, ao sítio da Presidência da República, o que me permitiu confirmar o que já sabia: mais do mesmo e sem um ínfimo de conteúdo realmente útil para quase todos os portugueses. Embora uma leitura obrigatória – teria sempre de ler o que fora dito –, foi uma pura perda de tempo. Mas recordemos algumas passagens da intervenção do Presidente Cavaco Silva.

Logo ao início, referiu que em 2014, se celebraram os 40 anos do 25 de Abril, a revolução que nos trouxe a liberdade e a democracia. É uma frase interessante, porque está hoje completamente despida de conteúdo. O Presidente Cavaco Silva sabe muitíssimo bem que a liberdade de pouco vale se for vivida com desemprego, pobreza e emigração, ingredientes que a política da atual Maioria-Governo-Presidente trouxe à generalidade dos portugueses. E quanto à democracia, bom, temos o dia do voto, embora este não sirva para projetar os reais interesses naturais dos portugueses.

A tudo isto, junta que uma democracia consolidada exige o pluralismo e a diversidade de opiniões. Mas como, se hoje e na União Europeia, numa eleição como a que se aproxima na Grécia, surgem ameaças de todo o tipo ao futuro dos gregos se a escolha não for a considerada válida por aquela estrutura e pelo Fundo Monetário Internacional?! Um mero jogo de conceitos e palavras.

Logo de seguida, referiu que Portugal tem ainda um longo caminho a percorrer, que deve ser feito em conjunto, com abertura e diálogo entre as diversas forças partidárias, contando com o contributo dos agentes económicos e dos parceiros sociais e unindo os Portugueses, como foi possível fazer em momentos decisivos da nossa democracia.

A uma primeira vista deverá ter-se referido ao período conturbado de 1974/1975, mas por igual aos dois recursos a empréstimos estrangeiros em condições especiais. Mas será que o Presidente Cavaco Silva acredita, de facto, que o PCP, ou os militares, alguma vez pretenderam instaurar aqui um regime constitucional como alguns vêm apregoando desde esse tempo? Custa-me acreditar.

Entrando depois na política partidária, com a sua opção ativa já conhecida, o Presidente da República referiu que 2015 será um ano de escolhas decisivas para o futuro do País. Mas porquê? Só se for por irem ter lugar eleições e se saber já que, com elevadíssima probabilidade, o eleitorado atirará com PSD e CDS/PP pela porta fora!

Esta parece ser a realidade sentimental subjacente ao discurso presidencial, porque logo acrescentou que é fundamental evitar crispações e conflitos artificiais que têm afetado a confiança dos cidadãos nas nossas instituições e, em particular, na classe política. Mas será que o Presidente Cavaco Silva acredita, de facto, que a queda do prestígio do Sistema de Justiça, por exemplo, se deve às crispações partidárias? Não será que a descrença dos portugueses nas instituições – recorde-se a singularíssima perda de prestígio político do próprio Presidente Cavaco Silva – se deve apenas à desgraçada política da atual Maioria-Governo-Presidente, que trouxe à generalidade dos portugueses o desemprego, a pobreza, a miséria e a emigração? E não é verdade que, nas verdadeiras democracias, o que designou de crispações é coisa normal e natural no tempo eleitoral?

De imediato, salientou a importância de as forças partidárias deverem ser claras nas suas propostas, por forma a que os cidadãos possam avaliar as suas implicações. Mas foi isso que se passou com a ação política eleitoral do PSD e do CDS/PP nas anteriores eleições para deputados à Assembleia da República? Ou foi precisamente o contrário, e que agora diz dever evitar-se? E assumiu o Presidente Cavaco Silva, nessa altura, esta mesma posição? Claro que não! Nem nunca lhe ocorreu promover a constituição de uma governação de base maioritária quando desapareceu a anterior maioria absoluta.

Com rara infelicidade, o Presidente Cavaco Silva apontou a seguir que os partidos e os agentes políticos têm de demonstrar, pela sua conduta, que são um exemplo de transparência, de responsabilidade e de civismo para os Portugueses. Ninguém terá deixado de associar estas palavras ao que ora se passa com o anterior Primeiro-Ministro, José Sócrates. O Presidente Cavaco Silva sabe muitíssimo bem que tal associação de ideias teria sempre lugar, pelo que, tanto pelo princípio da inocência prévia como por razões cristãs, nunca deveria ter pronunciado tais palavras. De resto, elas seriam sempre inúteis, porque todos admitem, ao menos no plano teórico, o respetivo conteúdo.

Continuando com o seu apoio à atual política de empobrecimento dos portugueses, referiu que há que ser cuidadoso nas promessas eleitorais que se fazem e que, não podendo depois ser cumpridas, acentuam perigosamente a desconfiança dos cidadãos em relação à classe política e às instituições. Uma frase que sempre terá de ser interpretada como contra mudanças que o PS, logo que seja Governo, possa pretender implementar. E logo acrescentou e confirmou: há que evitar promessas demagógicas e sem realismo. Como não haveriam PSD e CDS/PP de ficar plenamente regozijados com um tal discurso?... E assim prosseguiu: é errado pensar que os problemas que o País enfrenta podem ser resolvidos num clima de facilidades. Bastará, pois, que o Governo continue a desgraçar a dignidade material dos portugueses, porque o Presidente da República já explicou que não se devem esperar facilidades. Democracia, naturalmente, mas com uma minoria de milionários bem ao largo da enormíssima mancha de pobres e de aflitos ou ansiosos. Depois, a referência a que Portugal não pode regredir para uma situação semelhante àquela a que chegou em princípios de 2011, em que foi obrigado a recorrer a auxílio externo de emergência. Mas não é verdade que a unidade que então faltou se ficou a dever à reprovação do PEC IV, que a direita considerava ser terrível, podendo ser substituída pelo que diziam ser muito melhor para todos? E não se conhece – e com que dor?! – a desgraça que PSD e CDS/PP trouxeram aos portugueses, sempre apoiados aí, precisamente, pelo Presidente Cavaco Silva? Raros duvidarão hoje destas realidades.

Num claro apoio à atual política, o Presidente Cavaco Silva lá referiu que surgiram sinais de esperança e que devemos olhar o futuro com confiança renovada, até porque concluímos a execução do programa de ajustamento subscrito em 2011 com as instituições internacionais sem necessidade de solicitar assistência financeira adicional. A verdade é que o programa aplicado nem foi o referido pelo Presidente da República, antes um outro, muito pior e cabalmente destruidor da Constituição da República, nascida do espírito da Revolução de 25 de Abril. Além do mais, tal desiderato foi conseguido com o doloroso sacrifício dos portugueses e completamente à revelia do prometido por PSD e CDS/PP na campanha eleitoral.

Por fim, os votos do consenso, hoje uma palavra sem um ínfimo de conteúdo que não seja o de uma coligação do PS com o PSD, e com a aceitação pelo primeiro de tudo o que já foi feito, até aqui, pela atual Maioria-Governo-Presidente. Enfim, um discurso sem conteúdo e, por isso mesmo, sem um ínfimo de interesse. Tive de o ler...

Um dado é certo: do leque de amigos meus ou conhecidos, com quem já contactei neste segundo dia deste novo ano, ninguém acompanhou o discurso presidencial. A generalidade, perante a pergunta sobre se o haviam acompanhado, riu, como maior ou menor largueza. Ou seja: um discurso destinado a ficar num qualquer livro, a colocar numa prateleira e sem leitores no futuro histórico. Creio mesmo que, ao nível político-partidário, terá sido um discurso completamente inútil, dada a perda profunda de prestígio político do Presidente Cavaco Silva. Um discurso que lá tive de ler.

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