Cenas que acontecem fora de casa

|Tânia Rei|
Estava a chover. Talvez não estivesse, mas, à semelhança da restante semana, haveria de chover. Dias cinzentos tornam-nos cinzentos. E carrancudos. E chatos, mal-humorados. Como não gosto de ser assim, conforme descrevi, e porque sou muito curiosa, enquanto caminho na rua procuro sempre motivos para me distrair ou alegrar.

Dois senhores estão, ali perto, a trabalhar na rua. Há pelo menos uma hora, decerto. Já estão adiantados em relação a mim, que estou agora a caminhar para o emprego. “Dá-me um cigarro.”, pede um deles. “Ó Sandro, tu nem fumas. Queres o cigarro para quê? Para aquecer?”. Apesar da conversa sem nexo, e de ainda ser muito cedo para o meu cérebro tremelicante, (faltam alguns minutos para as nove da manhã, tenham dó de mim) não posso deixar de sorrir. O sorriso genuíno provocado pela espontaneidade do diálogo.

Mas esta mania de ouvir conversas alheias não é de agora. No fundo, todos temos este espírito de voyeur em relação às vidas que nos passam debaixo das barbas, todos os dias. É impossível não ouvir os desabafos de uma jovem, ao telemóvel com uma amiga. Sobre as agruras da vida, numa mesa de café. Sobre os problemas que o Ti Manuel tem tido com uns terrenos, e por causa do tempo (ai, o malfadado tempo, que agora está de chuva).

Certa vez, até, eu e todo o 305, no Porto, não podemos deixar de ouvir a fantástica história de uma senhora que recebeu, de um aparente fã, uma lingerie “branquinha, branquinha”. O que mais impressionava a senhora, e os companheiros de viagem, nos quais eu me incluía, era o facto de, com um simples golpe de olho, o tal admirador ter acertado na copa do sutiã e tudo.

O que não posso deixar de reparar é que cada vez mais, na rua, ao encontrar amigos ou conhecidos, as pessoas falam de doenças, de tristezas. Dura realidade, ou apenas falta de sorte nas conversas que, indevidamente, ando a escutar.

Na rua, devia ser proibido falarmos de temas tristes. Na rua, pessoas como eu, procuram companhia nas conversas que passam. Procuram sorrisos, como os proporcionados pelo Sandro, que não fuma, mas pede um cigarro antes das 9 da manhã, ou como a senhora do 305, que tem um admirador que lhe oferece roupa interior.

Na rua, encontramo-nos de passagem – vamos trabalhar, ou às Finanças, ou beber um café. Nesse ponto de passagem, de encontros não demorados, devíamos deixar boas mensagens. Ou pelo menos bons perfumes, daqueles que nos fazem virar o rosto, só para absorver mais um bocadinho daquele aroma (familiar, não é?).

Se cada um de nós jogasse a este “passa a mensagem”, ouvir-se-iam mais gargalhadas na rua.

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