O regresso da mina

|Hélio Bernardo Lopes|
Estava-se ainda na segunda governação de José Sócrates, quando respondi a um tema proposto pelo meu falecido amigo, Tó Sousa, então Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Almeida, e que fora, em tempos, o líder da autarquia almeidense. Queixava-se-me o meu amigo da Igreja Católica, porque esta pretendia chamar para o seu comando as misericórdias do País.

Expliquei, então, ao meu amigo esta evidência: vem aí um tempo vasto de miséria, pelo que a Igreja Católica precisa de ter as misericórdias na mão, de molde a poder dizer que é por ali que se socorrem as pessoas e porque as misericórdias são uma verdadeira mina. Como é evidente, o meu amigo recusou que as misericórdias fossem uma mina, mas nem de lá nunca saiu, nem a Igreja Católica vive na Lua. E foi esta a razão de ter dado à estampa o meu texto, A MINA, que traduz bem a realidade que está em jogo com as misericórdias e com o fantástico interesse em se possuir o seu comando.

Acontece, como já todos percebem facilmente – o pânico dos governantes é a prova do que aqui digo –, que a atual Maioria-Governo-Presidente vai ter um fim com as próximas eleições, o que está a gerar uma nova corrida as misericórdias. Desta vez, mais no sentido da manutenção prolongada do seu controlo, que de uma mudança de mãos.

É esta a causa da proposta recente do Ministro da Saúde, no sentido de que, com o PS, se reveja a reforma a impor no Serviço Nacional de Saúde. Paulo Macedo, ao que se noticiou pelo final da passada semana, pretende avançar com a transferência dos primeiros hospitais públicos para as misericórdias já em novembro, com os hospitais de Fafe, Ovar, Cantanhede, Anadia, Serpa e Régua.

Recentemente, foi publicada legislação que define a devolução dos equipamentos, tendo ficado definido que os hospitais das misericórdias, que foram integrados no setor público e são atualmente geridos por estabelecimentos ou serviços do Serviço Nacional de Saúde, podem ser devolvidos às instituições mediante a celebração de um acordo de cooperação com um prazo de 10 anos.

Simplesmente, em simultâneo com esta iniciativa as misericórdias surgem agora a pedir um pacto de dez anos com o Estado. E, como seria de esperar, pretendem saber o que pensa sobre esta realidade o PS, partido que sempre se glorificou com a criação do Serviço Nacional de Saúde universal e tendencialmente gratuito, bem como com a generalidade do Estado Social.

Tal como pude já explicar, esta passagem do PSD pela condução da governação foi essencial para o PS, porque este partido poderá agora dizer que a destruição do Estado Social foi operada pela atual Maioria-Governo-Presidente. Mas a verdade é que, sabendo-se já que Pedro Passos Coelho e Paulo Portas eram defensores do neoliberalismo, nem por isso Mário Soares deixou de apoiar o primeiro, para lá de que só agora iremos poder ver se, de facto, o PS realmente apoia o Serviço Nacional de Saúde, universal e tendencialmente gratuito. A minha opinião, como se sabe, é que já não apoiava, tendo aproveitado a boleia da presença da direita no poder para fugir à responsabilidade histórico-política de pôr um fim no Estado Social, como sempre fora defendido pelos grandes interesses.

Se olharmos o que se vem passando com um mínimo de atenção, facilmente se percebe que o que as misericórdias pretendem é ir mais longe na gestão de escolas, hospitais, centros de saúde, apoios sociais, etc.. Ou seja: será o regresso do Estado confessional, seja de um modo mais direto, nas escolas, seja num outro, mais indireto. Virá aí, pois, o fim completo da Revolução de 25 de Abril e da Constituição de 1976, até porque um PS que aceite esta estratégia das misericórdias, também acabará por aceitar – recorde-se Manuel Valls – o fim do próprio nome de Socialista.

É o momento para recordar o título de um texto recente de Francisco Louçã, no Público: OS PARTIDOS SOCIALISTAS PODEM MUDAR DE NOME? SIM. VÃO MUDAR? NÃO. OU AINDA NÃO. Um texto que vale a pena ser lido, porque estamos no tempo do regresso d’A MINA.

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