Os mais atentos lembrar-se-ão das inacreditáveis críticas aos juízes do Tribunal Constitucional, segundo as quais as suas decisões seriam motivadas por não desejarem ver diminuídos os seus proventos salariais e de reforma.
Foram críticas que duraram entre duas decisões consecutivas, mas que perderam um infinitésimo do seu magríssimo valor de verdade.
Mas chegou-nos este 5 de Outubro, e com ele o mais recente discurso do Presidente Cavaco Silva. Foi, como já escrevi, a única peça política digna de registo na efeméride, mas porque o mesmo marca o novo período de confrontação do Presidente Cavaco Silva com o futuro líder do PS e do Governo que vai suceder à desgraça do atual, sempre tão apoiado pelo Presidente da República.
Vou aqui tratar apenas um ponto do discurso presidencial, e que se refere à necessidade de serem bem pagos os políticos do País. Noutras oportunidades abordarei outros temas. Penso, em todo o caso, que o Presidente Cavaco Silva se referia, acima de todos, aos detentores de soberania, certamente muitíssimo mais que aos autarcas. E isto apesar destes, de um modo bastante geral, terem muito maiores responsabilidades em mãos do que os detentores de soberania.
Assim, a dado passo, o Presidente da República referiu que é cada vez maior a repulsa dos cidadãos mais qualificados pelo exercício de funções públicas. Bom, simplesmente não tem razão, o que pode provar-se facilmente, por via de exemplos muito conhecidos. Vejamos alguns destes casos.
Conta-nos Amadeu Garcia dos Santos que, a certa altura do seu exercício de funções públicas, teve de contactar e de trabalhar com o histórico Professor Manuel Rocha. Bom, o que o general nos refere – e que é a realidade – é que essa convivência mostrou no académico e fundador do LNEC – digamos assim – um verdadeiro desastre político. Sobraçar uma pasta governativa não é a mesma coisa que escrever doutrina científica.
Em contrapartida, o anterior Governo de Sócrates dispunha de uma plêiade de académicos, como a dado passo pude elencar. Mas nem por isso o PSD, o CDS/PP e o Presidente Cavaco Silva deixaram de criticar o referido Governo e a sua ação, tanto global como em muitos setores. E mesmo o atual Governo também dispõe de diversas personalidades de muito elevado nível académico. Até Carlos Moedas, que creio não ser doutor, é hoje Comissário Europeu. Em contrapartida, António Pires de Lima é apenas mestre, e por Navarra. Além do mais, eram imensamente maiores os proventos que auferia quando não estava no Governo.
Depois, o Presidente Cavaco Silva aponta o facto do setor privado, em regra, não apresentar a exposição mediática e o desgaste pessoal e até familiar que, muitas vezes, estão associados ao desempenho de cargos públicos. Mas basta recordar o caso da família Espírito Santo, ou o de muitos gestores privados e investidores privados que vêm andando na berlinda da Justiça. Escuso-me a fazer referências, porque os seus nomes surgem, quase diariamente, na grande comunicação social, sendo que para muitos destes decorre já o respetivo julgamento.
A seguir, o Presidente Cavaco Silva refere ser hoje evidente que o exercício de cargos na esfera política ou administrativa deixou de estar associado a uma noção patriótica de serviço à causa pública, de dedicação à comunidade, de reconhecimento do mérito, para passar a ser visto como um sinal de carreirismo e de oportunismo, associado, com frequência, a um percurso de vida inteiramente situado no seio dos partidos. Bom, a realidade é diametralmente oposta.
Se olharmos para as carreiras militares ou policiais, nada é como no-lo disse o Presidente da República. De igual modo, também assim não é na carreira universitária, sendo que também nunca assim foi no ensino não superior, até ao dia em que a atual Maioria-Governo-Presidente se determinou a quase destruir a estrutura criada, com grande sacrifício, ao longo destas quatro décadas. E o mesmo se pode dizer das carreiras médicas, onde as regras eram fortemente exigentes, sem que os melhores as deixassem de procurar. Por acaso, eram até os melhores alunos à entrada do ensino superior que prosseguiam Medicina.
Toda esta doutrina do Presidente Cavaco Silva está completamente fora do que, de facto, tem lugar. Em parte alguma do ambiente civilizado se pode imaginar que um governante tenha um vencimento superior a banqueiros, consultores, operadores, grandes especialistas, etc.. De resto, passa-me o mesmo, por exemplo, entre os académicos do Direito, ou os de Medicina, em face dos de Linguística ou de estudos Árabes. Ou os de Pintura, ou de Escultura ou de Antropologia.
Por fim, um dado que convém que se tenha presente. Se a memória não me atraiçoa, o Dia do Exército de 1973 teve lugar em Coimbra, cuja região Militar era liderada pelo general Malheiro Reimão Nogueira. No discurso que aí proferiu, este militar referiu ser quase nulo o número de cadetes que iria entrar, nesse ano, para a Academia Militar, apontando, por igual, que os alunos saídos do Colégio Militar – não referiu os Pupilos de Exército... – que seguiam para as academias militares superiores era quase nulo.
Foi esta realidade que levou à falta de comandantes de companhia, obrigando a chamar, entre tantos outros, Fraústo da Silva, Fernandes de Carvalho, João Sousa Lopes, etc.. Académicos, Vice-Reitores, Diretores de Faculdades, etc.. Nenhum desertou. Tal como se dera nos Estados Unidos, no Reino Unido, na União Soviética, ou mesmo na Alemanha de Hitler. Como se torna evidente, hoje continuamos a ser a cauda a Europa, com uma mão atrás e outra à frente, e com a perceção de que um futuro melhor não chegará.
Em resumo: a repulsa pela vida política deriva de que o espírito pátrio, naturalmente, foi destruído. E tinha se ser assim, com os fantásticos tratos de polé que os detentores de soberania deram aos portugueses e à nossa falida soberania, que a Constituição da República diz assentar no povo, ao longo destas quatro décadas da III República.
Por fim, uma pergunta: será que os que acusaram os juízes do Tribunal Constitucional de atuar em causa própria também vão agora dizer que o Presidente Cavaco Silva o que pretende é ver melhorado o vencimento da classe política? Então e agora?
E agora?
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Hélio Bernardo Lopes,
Opinião
/ Foi publicado
sábado, 11 de outubro de 2014
Notícias do Nordeste
