Um pânico dos diabos

Hélio Bernardo Lopes
Escreve diariamente
O estado a que chegou Portugal, ao fim de quatro décadas de vida da III República, pode caraterizar-se hoje por desemprego, pobreza, miséria, emigração e uma vastíssima corrupção, logo a montante do péssimo funcionamento de quase tudo o que é essencial a um autêntico Estado de Direito Democrático. É natural, pois, o fortíssimo desalento e o enorme desinteresse dos portugueses pela vida política.

De tudo isto, e como tão facilmente seria de esperar, aí está a ideia, própria de autênticos aflitinhos da política, de tornar o voto obrigatório. Depois de Diogo Freitas do Amaral nos surgir com tal ideia, numa sua viagem à Covilhã, de pronto nos apareceu Marcelo, apoiando a mesma: o voto obrigatório deve ser aplicado em Portugal, sendo um caminho de devia ser ponderado.

Numa outra frequência, eis que Vital Moreira nos vem também dizer que a diminuição da abstenção, o combate à erosão da legitimidade eleitoral, a responsabilização dos eleitores pelo destino e governo da República, o equilíbrio da representação social e o combate à vantagem relativa do voto nos partidos de protesto são argumentos fortes em prol do voto obrigatório. Chega a parecer mentira que se possam defender tais ideias!

Em todo o caso, Vital acha que deve haver um debate sério sobre a possibilidade de aplicar o voto obrigatório. Mas o que é isso de um debate sério? Serão jornalistas obedientes a fazerem a propaganda de ideias previamente apresentadas por gente simpática e de algum modo conhecida? O que é para Vital um debate sério e como é que do mesmo se tirariam conclusões? E será que os três académicos atrás referidos alguma vez assistiram, entre nós, a um debate sério, por exemplo, sobre a adesão à Europa, ou sobre o euro, ou sobre os tratados aprovados à revelia da vontade dos portugueses? Ridículo! Fantasticamente ridículo!!

Simplesmente, no meio de toda esta conversa de Vital Moreira, também este nos diz a evidência: a abstenção é, em si mesma, uma forma de consentimento no regime político. De molde que logo opera esta sua previsão: o verdadeiro obstáculo poderá advir da possível inconstitucionalidade da obrigação de voto. Bom, lá que é inconstitucional, antinatural e antidemocrático, isso é. Mas será isso obstáculo no Portugal de hoje, onde tudo e nada é sensivelmente o mesmo?

Neste tema, porém, o mais interessante foi o argumento de Diogo Freitas do Amaral na Covilhã: se a vacinação e o seguro automóvel são obrigatórios em Portugal, porque é que o voto, que define o que vai ser o nosso país, não pode ser obrigatório? Mas onde é que o voto define o que vai ser Portugal? Pois, não é verdade que os cidadãos não indicam o que pretendem, antes se limitando a votar em promessas que em todo o Mundo nunca são cumpridas? Além do mais, o seguro automóvel é uma metodologia preventiva em matéria de conflitualidade social, com a vacinação destinada a salvar vidas, muito diferentes do direito de escolher quem vai exercer o poder, situação em pode não existir ninguém que valha a pena ser escolhida!

Com o voto obrigatório, sempre aqueles constitucionalistas poderiam apregoar que os portugueses até vão votando, raros faltando às eleições. Seria a cereja no cimo do bolo de uma nova ditadura: a tal democracia totalitária, referida por Paulo Otero. Como podem estes nossos juristas defender tal ideia num país onde um seu nacional, ainda líder da falida União Europeia, demorou dez anos a lembrar-se que tinha falado com Constâncio, não se lembrando disso quando houve as comissões de inquérito? Um país onde os dezassete homicídios das FP 25 não tiveram culpados! Ou onde se não conseguem encontrar os corrompidos por alemães já condenados no caso dos submarinos! Ou num país onde até Marcelo admite que, a nada se descobrir no caso BPN, terão sido extraterrestres!

Pois se estes nossos políticos desejam assim tanto a participação política dos portugueses, porque não apoiam um referendo, por exemplo, ao Tratado Orçamental Europeu, sabendo-se que ele visa impedir que haja políticas de crescimento e criação de emprego e que defendam o Estado Social? Ou, ainda: porque não põe a nossa classe política em funcionamento a regra da incompatibilidade de funções de soberania – deputados, nomeadamente – com outras, de natureza privada?

Hoje, já de um modo indubitável, percebe-se o pânico de que se apossou a atual classe política, quando a generalidade dos portugueses despertaram para a completíssima falta de representatividade do nosso modelo (dito) democrático. Vive-se um pânico verdadeiramente fantástico, pânico que se pretende esconder a todo o custo com esta repugnante e antidemocrática ideia do voto obrigatório. É, como muito bem escreveu Paulo Otero, mais uma manifestação de que a democracia se está a tornar cada dia mais totalitária. Ao que chegou Portugal!

Por fim, aqui vai uma pequena lista de países com voto obrigatório: Argentina, Austrália, Bélgica, Bolívia, Brasil, Congo, Costa Rica, Chipre, Equador, Egito, Fiji, Grécia, Honduras, Líbano, Luxemburgo, México, Nauru, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Singapura e Tailândia. E uma outra, de países em que já foi obrigatório, mas deixou de o ser: Áustria, Chile, Líbia, Países Baixos e Venezuela. Portanto, caro leitor, olhe para o estado de Portugal, para o seu, pense no futuro e conclua...

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