Hélio Bernardo Lopes |
Foi o que se deu, há um tempo atrás, com o caso Remédio Santo, ao redor da possibilidade de, em certas situações, poderem ter lugar acordos em matéria de sentenças penais.
Tal como a Procuradora-Geral da República salientou há umas semanas, em Mafra, no atual regime legal não são permitidos os acordos relativamente a sentenças penais, mas logo admitindo que, no futuro, poderá haver um debate e chegar-se à conclusão de que, relativamente a determinado tipo de criminalidade, esse tipo de procedimentos possa ser possível.
Não sendo eu jurista, mas conhecendo bem o País, os portugueses e a História de Portugal, e ponderando o tempo que varre hoje o Mundo, é minha opinião que, a ir-se por esta via, se materializará mais um erro colossal para o nosso Sistema de Justiça e para o próprio País.
Joana Marques Vidal explicou que o tema em causa terá de ser debatido e aprofundado e depois a Assembleia da República decidirá, ou não, de acordo com as propostas de alteração. Estas palavras merecem, desde já, um comentário, e que é este: o tema envolve concidadãos da alta burguesia e que se encontram em condições de poder contratar advogados de renome na vida dos Tribunais. O que justifica esta pergunta: quando terá sido este tema tratado entre nós pela primeira vez e por quem? Existem teses, de mestrado ou de doutoramento, sobre o tema? Foram dados à estampa artigos de académicos consagrados, ou de magistrados de topo, sobre este tema? Sem ser jurista, a verdade é que não creio que exista nada disto entre nós.
Ora, neste caso Remédio Santo, a Procuradora-Geral da República explicou que o assunto está a ser objeto de estudo e de pareceres. É um tema que me trouxe ao pensamento as palavras de Luís Mira Amaral há um tempo atrás, num Expresso da Meia-Noite, onde referiu que se se privatizar a Caixa Geral de Depósitos em trinta por cento, por exemplo, a pressão que depois surgirá é tal, que acaba por se vir a privatizar tudo o resto. Precisamente o que Salazar explicou – elementarmente – a George Ball, há umas cinco décadas, a propósito da indicação pública de um prazo para se dar a independência às antigas províncias ultramarinas: logo ocorreria uma aceleração incontrolável dos acontecimentos. Neste caso da operação Remédio Santo há que olhar, com alguma atenção e ponderação, para a nota da Procuradoria-Geral da República sobre possíveis acordos de penas em processos judiciais, por não estarem contemplados na lei, mas logo referindo a necessidade de se uniformizar a atuação do Ministério Público. É uma nota com interesse, porque nos permite perceber que, afinal, ainda nos encontramos, nesta matéria, perante a necessidade de se uniformizar a atuação do Ministério Público.
E tudo isto ao mesmo tempo que decorrerão estudos, mormente envolvendo pareceres, sobre o tema dos acordos relativamente a sentenças penais. Perante tudo isto, e em face das caraterísticas do nosso modo típico de estar na vida, ir pelo caminho que se começou agora a suscitar será mais um erro colossal para o funcionamento do nosso Sistema de Justiça e para o País. Fico mesmo admirado que da parte dos nossos magistrados, juízes ou procuradores, ainda se possa admitir que uma tal via poderá apresentar virtudes e conduzir, pois, a melhor justiça e tratamento igualitário dos portugueses.