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|Hélio Bernardo Lopes| |
O atual Papa surgiu, como se sabe, num ambiente complicado para a imagem da Igreja Católica Romana no mundo, o que levou mesmo o seu antecessor a renunciar ao seu posto. Francisco, sem um ínfimo de dificuldade, percebeu que se tinha de rejuvenescer a imagem da sua Igreja, mas sempre consciente de que o essencial teria de manter-se. No fundo, mudar, o mínimo possível, os contornos da Igreja, ou seja, mexer na nuvem eletrónica, mas sem intervir no núcleo. Ainda assim, nunca tal seria uma tarefa sem escolhos, e que, como sempre, passaria também pela mudança no corpo cardinalício.
Há alguns meses, surgiu a acusação velada, por parte de cerca de um terço dos cardeais, de que Francisco estaria a entrar num ambiente já de heresia. Simplesmente, esta vertigem está longíssimo de ser nova, sendo que até João Paulo II se viu apontado como um infiltrado vindo do Leste, assim se desenvolvendo um pequenito cisma no seio da Igreja, depois ultrapassado.
Como tive a oportunidade de expor a amigos e conhecidos meus, as tomadas de posição de Francisco raramente são claras. Nem são, sequer, suportadas em valores universalmente usados, antes dependendo do que está em jogo. É o que se passa, por exemplo, com a guerra religiosa que hoje varre o mundo e por via da qual tanto o Ocidente vem martirizando os povos islâmicos. Basta ver, por exemplo, o que se está a passar em Israel, ou as lutas fratricidas entre islâmicos de fações diversas. O que aqui sobrevem é o silêncio.
Ora, num destes dias, foi-nos possível escutar as palavras do cardeal Peter Turkson, prefeito do Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral, a cuja luz a separação entre a Igreja e o Estado é artificial. Num ápice, surgiu-me isto ao pensamento: o que diria disto – será que diria o que quer que fosse? – Mário Soares, se ainda estivesse na nossa companhia? Sim, porque Mário Soares foi eleito Presidente da República expondo aos portugueses ser laico, republicano e socialista (democrático). Portanto, o que pensa disto tudo o leitor?
Por fim, o cardeal Peter Turkson, abordando a atuação da Igreja Católica Romana na sociedade dos nossos dias, mormente ao redor do candente crime ao redor dos refugiados, lá se saiu com esta: o Vaticano não é um governo, por isso, a sua atuação baseia-se, sobretudo, no convite para o diálogo, mas desafia todos os cristãos que têm responsabilidades políticas a terem em conta a sua fé nas decisões que tomam. Um exemplo supremo do tudo em nada. Uma resposta que, não fora a tragédia humanitária dos migrantes, nos faria dar uma gargalhada autenticamente tonitruante.
A Igreja Católica Romana, para o que está em jogo neste caso dos migrantes, também é um Estado, e tem até um Governo, naturalmente presidido pelo Papa em funções. Neste caso, porém, o Estado é até murado, sendo que nunca recebeu no seu pequeno espaço migrantes em número digno de um registo qualquer, mesmo que diminuto. E quanto ao desafio que lança a todos os cristãos que têm responsabilidades políticas, no sentido terem em conta a sua fé nas decisões que tomam, o que pode dizer-se é que a estas palavras há muito o vento levou.
Tenho para mim, já desde há muito, que o pontificado de Francisco se desenrola à luz da espera do momento de rotura essencial que permita um regresso ao passado. Já com uma guerra mundial à vista, desta vez a ser preparada pelos democratas norte-americanos, o que Francisco e a sua Igreja têm para nos dizer vai desde o silêncio perseverante ao redor do novo apartheid em Israel, à paralisia sobre o caso dos migrantes. É o regresso ao passado. Até porque se caminha para o fim da democracia e para a imposição de uma nova ditadura mundial. Uma ditadura, naturalmente, confessional. Mas de que tipo?...