Reencontro com a História

|Hélio Bernardo Lopes|
Decorreram, num dia destes, as comemorações do 45º aniversário do nascimento do PS. Comemorações que tiveram lugar em Almada e a que compareceram, como seria de esperar, profundos adversários da Geringonça. 

Embora se perceba hoje facilmente que se esta não tivesse tido lugar, suportada no importante acordo social de rotura com o que fora deixado aos portugueses pela anterior Maioria-Governo-Presidente, o PS, à semelhança dos seus congéneres europeus, teria tido já o seu fim histórico-político.

Acontece, porém, que a diferença entre PS e PSD nunca foi muito grande, ficando a dever-se, em essência, às diferenças entre Mário Soares e Francisco Sá Carneiro. Diferenças pessoais, por um lado, e outras, que se prenderam com a trajetória política dos dois, imensamente mais extensa e vivida pelo primeiro que pelo segundo. No plano da ação política, porém, o PS foi-se sempre distanciando do que de si seria de esperar, acabando por aproximar-se do PSD e dos seus objetivos estratégicos.

A única grande diferença que ficou a separar o PSD e o PS foi o Estado Social: Saúde, Educação, Segurança Social. Simplesmente, também se percebe que o PSD nunca verdadeiramente deixou de defender a saída destes setores da área do Estado para a do setor privado, naturalmente com o lucro sempre como farol e com as pessoas entregues à sua sorte ou à falta dela. De resto, foi isto mesmo que praticaram os partidos colegas do PS e que os levou cabalmente à ruína. E foi a recusa de António Costa em seguir este caminho, ligando-se à Geringonça, que permitiu a retoma da esperança dos portugueses no PS. Uma esperança que começa agora a sofrer o início da sua queda, dado ter-se já percebido – leiam-se os textos recentes de Augusto Santos Silva e as posições assumidas por Mário Centeno...– que o PS de António Costa, naturalmente apoiado pelo Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, começou a claudicar perante o PSD de Rui Rio. Ter-se-á iniciado o fim do Estado Social e, com ele, o do próprio PS.

Desde sempre um amador terá percebido que não existem consensos possíveis com a Direita de hoje, porque desde o início da III República ela soube sempre o que pretendia: um Estado Novíssimo, certamente com partidos destinados a criar a essencial anestesia social, mas sabendo muitíssimo bem o que queria e para onde ia. Um acordo com o PSD só vale enquanto este não puder formar governar com o CDS, porque logo que tal possa ter lugar o referido acordo será deitado às urtigas.

O acordo agora firmado com o PSD mantém este problema, dado destinar-se, em última análise, a extinguir o Estado Social, retirando o Estado dos seus deveres para com os cidadãos nos essenciais setores da Saúde, da Educação e da Segurança Social. E sabe o leitor como pode fazer a prova desta realidade que aqui exprimo? Pois, olhando esta realidade simplesmente surreal: os jornalistas nunca questionam Rui Rio sobre que posição defende o PSD e a sua atual liderança naqueles essenciais domínios. Jornalistas hoje generalizadamente alinhados com a estratégia neoliberal que varre o mundo e também o nosso Portugal.

Também não deixa de ser espantoso o alinhamento das diversas ordens e sindicatos ligados ao setor da Saúde, sabendo que a sua ação assim alinhada só está a contribuir para que se diga, num dia destes, já não haver lugar para o Serviço Nacional de Saúde, universal e tendencialmente gratuito. Criado por António Arnaut, nunca obstaculizado por Mário Soares, bem aceite pelos portugueses, de um modo muito geral, ele sofreu sempre a tentação da Direita – PSD e CDS – naturalmente a pensarem no lucro. Mas o socialismo democrático morreu, por falecido havia também o socialismo real. A partir daí o PS, tal como os seus congéneres europeus, deixaram de ter lugar. Viraram-se, então, para o neoliberalismo, com o caso do PS exclusivamente suportado através da defesa do Estado Social. Sem este, como se percebe, o PS deixará de ser necessário. Quase com toda a certeza, será esta a realidade que virá a ter lugar.

Logo no início do mandato do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, num encontro que teve lugar na Fundação Calouste Gulbenkian, teceu o Presidente um enorme elogio ao Ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, o que de pronto me levou a dizer para os que me acompanhavam: este tipo – o ministro – vai ser o coveiro do Serviço Nacional de Saúde. E expliquei a razão desta minha dedução: o que o Marcelo está a fazer é a lustrá-lo, pontapeando-o para cima, de molde a criar, junto dos cidadãos, tolerância à sua ação política futura. E repisei: é ele que vai pôr um fim no Serviço Nacional de Saúde.

Pois, mesmo agora, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa voltou à sua: preocupa-me o gap, a distância crescente entre aquilo que os sistemas podem proporcionar e aquilo que as sociedades deles esperam. Aqui está, no fundo, o reconhecimento do contrário do que sempre nos vem dizendo o Papa Francisco: primeiro, as pessoas, porque esta sociedade mata. Marcelo nem pensa na morte causada por este nosso tipo neoliberal de sociedade, só recordando as pessoas naqueles casos dos incêndios, quando era fácil fazer populismo. Afinal, até um técnico norte-americano nos veio agora referir o que António Costa já nos havia dito: mais fogos vão chegar a Portugal. O que agora é um êxito previsional e técnico, com António Costa foi (quase) um crime de lesa almas.

Foi por ser esta a realidade, que sempre seria de esperar com a chegada ao poder da anterior Maioria-Governo-Presidente, que o PS de António Costa vem agora dar início ao que, quase com toda a certeza, virá a ser o fim do Estado Social e, por aí, a trajetória já vista por essa Europa fora. A defesa do Estado Social tem uma regra de fundo, ou deixa o mesmo de ser uma realidade: tem de ser centralizado, universal e gratuito ou justo. Se o objetivo do Governo, como tudo faz crer, é descentralizar a Saúde, a Educação e a Segurança Social, bom, tal terá esta naturalíssima consequência: irá acabar o Estado Social. A ver vamos o que nos volta a reservar o PS, mesmo com esse docinho do ordenado mínimo no ano que está para chegar...

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