O caso Lula

|Hélio Bernardo Lopes|
Acompanhei, naturalmente, a trajetória política de Luiz Inácio Lula da Silva, mormente depois de ter sido eleito pela primeira vez, para mais oriundo do Partido dos Trabalhadores. E, tal como a generalidade dos não brasileiros, no meu caso sendo até português, gostei do modo como Lula exerceu o poder presidencial no Brasil, mas também pela excelente imagem que acabou por criar no mundo, tanto a sua como a do Brasil.

Um dado retive, porém, que nunca esqueci e que resultou de uma conversa com um brasileiro amigo meu, residente em Brasília, branco e doutorado em determinado domínio a que estive ligado em certa fase da minha vida. Um domínio sobre que perseverei em manter um contacto, tão amplo quanto possível, em termos do que se foi investigando, publicando e ensinando em Portugal.

Ora, este meu amigo, numa conversa de circunstância em certo restaurante do Bairro Alto lisboeta, onde nos preparávamos para jantar, mudou cabalmente a sua face ao responder à minha referência risonha ao redor do novo Presidente do Brasil, mostrando-se como que transtornado com a eleição que tivera lugar. E assim me respondeu: você já viu, Hélio, um mecânico?! De molde que lá me vi na necessidade de responder de um modo politicamente correto: as coisas mudaram muito no mundo de hoje, tudo é muito diferente do que conhecemos noutros tempos.

Devo dizer que não parti desta reação do meu amigo para uma qualquer síntese, antes a tomando como algo definitório do jovem brasileiro que eu conhecera nos últimos anos da II República Portuguesa. A verdade é que este meu amigo sempre dera mostras de ser um direitista e um racista, mas por mera razão social.

Esta conversa, tida em certa noite no Bairro Alto, só voltou a aflorar o meu espírito ao tempo em que se começou a esboçar a destituição presidencial de Dilma Rousseff, cabalmente suportada numa mudança política determinada pela onda do tempo que estava a crescer. E também já no âmbito do tremendíssimo fracasso derivado da morte de Hugo Chávez e do descalabro a que Maduro acabou por deixar que a Venezuela se visse conduzida.

Rapidamente me dei conta de que a determinação de Lula se voltar a candidatar iria acelerar o que contra si já se percebia estar a ser preparado. No fundo, o mesmo que muito mais tarde se veio a dar com Marielle Franco, claramente uma brasileira repleta de carisma e de possibilidades de poder atingir um alto lugar na vida pública. Preveniram-se...

Convém aqui referir um dado recente, oriundo da Organização das Nações Unidas: o seu Comité dos Direitos Humanos denunciou há dias a existência de esquadrões da morte no seio das forças de segurança de El Salvador, indicando existir um grande número de alegados abusos que permanecem impunes. Não duvidando infimamente desta conclusão, a verdade é que a mesma está também presente no Brasil.

No entretanto, chegou a notícia de que o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos terá acolhido uma denúncia de Luiz Inácio Lula da Silva sobre a conduta do juiz federal Sérgio Moro durante a Operação Lava Jato. Também segundo essa notícia, aquela instituição solicitou ao Governo do Brasil o envio de documentação importante para analisar a queixa do antigo presidente brasileiro. A verdade é que tenho dificuldade em acreditar que a ONU, em face do Brasil, faça o quer que seja, mesmo reconhecendo erros essenciais em matéria processual penal.

Não custa perceber que o caso de Lula, mesmo podendo ter havido algum ilícito seu, só tem que ver com o imperativo, para certa classe social ínfima, de manter a pobreza geral dos brasileiros, ela mesma suportada fortemente na histórica escravatura sobre os negros, que continua a mantar-se nos dias de hoje, apesar de, oficialmente, não estar em vigor e ser mesmo proibida. Aqui está um domínio em que a Comunidade Internacional bem poderia bater-se por uma legislação de quotas no domínio racial, e em níveis os mais diversos.

O caso que agora atingiu Lula nada tem que ver com corrupção, porque ela está inscrita desde sempre na matriz cultural e social do Brasil. E, como facilmente se pode perceber, nada irá mudar com este caso, até porque o mesmo se havia já passado com um anterior Presidente da República. Este caso é um dos melhores sinais do tempo terrível a que se chegou no mundo atual. Tal como o que se diz terem sido os ataques com armas químicas por parte de Bashar Al-Assad: sinais do tempo que passa e da hecatombe que poderá estar prestes a chegar...

Por fim, dois dados. Aqui está, neste caso do Brasil, um dos mais significativos (e piores) espólios deixados pelos portugueses no mundo. Tal como nos novos Estados onde se fala o português. E depois, o silêncio terrível da nossa classe política perante o que se vem passando no Brasil, com uma objetiva violação das regras mais básicas do dito Estado Democrático de Direito. Uma terrível vergonha, para mais vinda de tantos que por aí andaram a bater-se contra o Estado Novo e contra Salazar: o que eles diziam e o que calam agora...

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