Direito à habitação

|Hélio Bernardo Lopes|
A Constituição de 1976 consagrou o direito à habitação como um direito de cada cidadão. O que significa que tal direito deve ser promovido pelos representantes eleitos pelos cidadãos e que desempenham funções de soberania. Mas, como facilmente se percebe, este direito assim consagrado constitui-se num princípio forte, mas não na obrigação do Estado conceder a cada cidadão uma habitação.

Acontece que as sociedades contemporâneas desenvolvidas não concebem a possibilidade de poderem os seus cidadãos viver em situações desumanas, sem um mínimo de condições. E por diversas razões que se entrecruzam, desde as ligadas à dignidade humana até às resultantes dos danos físicos criados por más condições de habitabilidade, suscetíveis de mostrarem consequências sociais amplas.

Ora, a obtenção de condições condignas de habitabilidade é um mecanismo complexo e sem uma solução única. Nem sequer suscetível de poder constituir-se numa solução de consenso por tempo longo. Simultaneamente, o Estado não pode aqui constituir-se como o principal promotor de habitação, destinada à generalidade do tecido social. Tem, em todo o caso, de atuar como árbitro e como regulador, limitando a natural e histórica atitude especulativa por parte de quem tem habitações destinadas a alugar em condições diversas.

A prova de que o encontro de uma situação adequada e funcional não é fácil neste setor foi-nos dada pela decisão do Governo de Salazar – destinava-se a ser temporária – de congelar as rendas das casas destinadas a habitação. A verdade é que o que se destinava a ser temporário tornou-se longamente definitivo.

A razão de ser deste acontecimento histórico foi dupla. Por um lado, os proprietários das casas aumentavam as rendas sem cessar, criando grande mal-estar social. Por outro lado, havia que evitar o desenvolvimento desse mal-estar, tendo em conta que o bem em causa era essencial a uma vida digna e à constituição de família. Como teria de dar-se, sobreveio a decisão suportada na regra do direito à habitação. No fundo, nem Salazar, dispondo de um mui amplo poder, encontrou uma solução que satisfizesse a todos. E a razão foi simplesmente esta: essa solução não existe.

Significa isto, pois, que quem pretender resolver a atual crise social ao redor da habitação, causada, naturalmente, pela errada aplicação a este setor do princípio do mercado, nunca poderá deixar de ter em conta a experiência que, mais uma vez, está a fazer vencimento: voltou a dar-se a situação que levou Salazar a congelar as rendas das casas alugadas.

Dizem muitos que quem dispõe de uma habitação como proprietário faz dela o que muito bem entender: aluga-a ou não, pede o preço que entender, responde ou não ao (tal) mercado, ou simplesmente emigra pelo tempo que desejar, mesmo deixando a casa – ou casas – fechada e sem utilidade social. Ou seja: a posse de uma habitação que não seja casa de morada de família passaria a ser um direito absoluto.

Tal realidade não levantaria problemas se a sua observância não arrastasse rapidamente a uma crise social grave. Para mais numa sociedade extremamente envelhecida e quase sem gente jovem com cidadania nacional. O que significa que o atual Governo está de novo confrontado com a história atitude portuguesa: ganhar a qualquer preço e sem olhar a meios, muito menos a realidades de natureza social.

O leitor não tem já hoje dúvidas sobre a disponibilidade dos portugueses para defender o seu País, se acaso tal se tornasse necessário. O que nos tempos de Salazar era um dever pátrio – e houve (pouquíssimos) ditos patriotas que lá conseguiram safar-se...–, como era o serviço militar, hoje tal só se consegue a troco de bom dinheiro. É o tempo em que até juízes e procuradores fazem greve!! Diz-se o tempo da democracia.

O Governo de António Costa tem, pois, este problema em mãos, sendo que o mesmo, como se viu desde sempre, não tem solução capaz. Terá, pois, de decidir se defende o direito à habitação, ou simplesmente se remete a uma espécie de árbitro que vai assistindo ao desenvolvimento da crise social que sempre terá de derivar da consideração da habitação como mais um bem de mercado. Atenção, Primeiro-Ministro de Portugal: há problemas sem solução.

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