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Sequenciação - Lia Neves |
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E por falar em transparência, o 100.000 Genomes Project é um bom exemplo para referir: os seus dados – doados livremente – têm um valor económico. É inquestionável que o desenvolvimento tecnológico tem vários aspetos positivos, nomeadamente para as doenças raras. Mas será que, no caso da sequenciação genética, um órgão governativo conseguiria a confiança dita pública se os/as cidadãos/ãs soubessem que há, em paralelo, uma partilha e comercialização dos seus dados? Se percebessem, de modo claro, o que acontece quando a bioinformação pessoal (mesmo que anonimizada) é, por exemplo, inserida num biobanco privado… ?
Tudo o que envolve o processo de sequenciação, armazenamento e partilha de dados leva à questão sobre o seu acesso e respetivo significado de ambiente seguro de dados. É impossível, a este propósito, não recordar o trabalho da Ana Gerschenfeld (atual Science Writer da Fundação Champalimaud), em 2009, ao descrever no Jornal Público e no seu blog Os meus Genes e Eu - como jornalista de Ciência - após ter pedido um kit genético à 23andMe. Nesse ano, 2009, tinha terminado o curso em Filosofia na Faculdade de Letras (UC) e ingressado na Faculdade de Medicina (UC) para fazer o Mestrado em Saúde Pública – era uma leitora fiel e convicta da Ana Gerschenfeld, na medida em que me fazia acreditar, sempre, na possibilidade de fazer um estudo etnográfico que seria, em simultâneo, uma excelente peça literária e/ou informativa.
Com ela, e o relato pormenorizado da sua vontade de saber, entendi e aprendi vários aspetos, desde logo: i) não é possível entender os resultados alargados de um kit genético sem falar com um médico geneticista (algo, aliás, que a nossa Lei n.º12/2005 “Informação genética pessoal e informação de saúde” - previa); ii) se não estiver preparado/a para lidar com a informação que advém de um produto comprado numa boa tarde de domingo – a empresa não lhe vai enviar apoio psicológico, ou qualquer outro tipo de apoio; iii) a empresa responsável pela sequenciação, através do seu próprio consentimento, vai ficar com os seus dados (mesmo que não tenham uso malicioso, são rentáveis).
Assim, os bancos de ADN transformaram-se na nova promessa, através da investigação científica, para o diagnóstico molecular, para as doenças raras e/ou outras condições, sendo uma consequência inevitável da tecnologia de edição genética como a CRISPR/Cas9. Também a nova geração de bancos de ADN será polémica em países em desenvolvimento, onde - certamente - se verificará uma falta de autoridades regulatórias.
Se o mau uso de dados, mesmo que não intencional, for detetado (veja-se, ainda que diferentemente, a polémica da Cambridge Analytica) – for sinalizado como sinónimo de uma exploração comercial desequilibrada, levantando um grave conflito de direitos de propriedade – o que é que isto significa? Isso significa que a posse de material genético nos leva a controvérsias político-tecnocientíficas que podem ameaçar a confiança dos cidadãos. Parece-me, pois, que a premissa de que o acesso rápido e direto à informação genética funciona como gesto de empowerment para a tomada de decisão: é excessiva. Ou será tudo uma questão de comunicação?
Lia Raquel Neves
Conteúdo fornecido por Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva