As palavras e a realidade das coisas

|Hélio Bernardo Lopes|
De um modo imensamente geral, ninguém gosta da guerra, talvez com as notáveis exceções das contadas em livros ou em filmes ou documentários. Ter de vivê-la, naturalmente, constitui-se num autêntico pesadelo, sobretudo, quando o mesmo deriva de se ter alguém querido no seio da guerra.

Quando se olha o percurso da História, também naturalmente, encontram-se sempre guerras de todo o tipo e por razões as mais diversas. Os livros de História, seja a nossa ou a do mundo, dão sempre conta pormenorizada das guerras que tiveram lugar. E é a elas que se vão buscar, com maior ou menor razão, com mais ou menos lógica, com verdade mais predominante ou sem ela, os grandes heróis que ficam a balizar a História dos Povos.

No tempo que passa não faltam guerras de todo o tipo. Olhamos o continente africano, e lá se encontram guerras por quase todo o lado. Pensamos no Médio Oriente e não faltam conflitos com décadas de duração. Visionamos o Pacífico, ou o Sul do continente asiático, e lá nos surgem conflitos em barda, alguns deles com décadas e intensidade variável. E mesmo na América Latina, quando um desses conflitos (com décadas!) consegue ser parado, com a paz a ser atingida, de pronto esta é questionada, deitando por terra os ensinamentos de Jesus.

Acontece, porém, que em nenhum destes conflitos estão presentes armas nucleares, apenas armamento convencional. Armamento convencional vendido, precisamente, pelas grandes potências nucleares do nosso mundo, com ênfase quase absoluta para os Estados Unidos. Sem ser por acaso, este é, porventura, o país (dito) civilizado onde a violência mais está presente no seu funcionamento diário. E é, por igual, o único país do mundo que utilizou, até hoje, armas nucleares contra um outro durante uma guerra, sendo que este nem sequer as possuía.

De tudo isto retira-se esta conclusão evidente e muito simples: as armas nucleares limitam a possibilidade de guerra entre quem as possui. Também de um modo simples e evidente se percebe que sem estas nos arsenais militares das grandes potências o mundo teria já assistido a novas guerras como as de 1914-1918 e de 1939-1945. E também não custa perceber o que se teria dado se a Alemanha de Hitler tivesse conseguido possuir armas nucleares antes de um outro qualquer as ter...

Dado ser tudo isto extremamente evidente, custa perceber a perseverança do Papa Francisco em favor do fim das armas nucleares. A consequência de uma tal realidade – seria preciso que alguém acreditasse em tal realidade – seria o regresso da guerra convencional por toda a parte, incluindo, nessa circunstância, a própria Europa.

Do mesmo modo, torna-se por igual evidente que a Coreia do Norte nunca irá atacar quem quer que seja com armas nucleares. Nem com estas nem com outras. O mesmo não se pode dizer dos Estados Unidos, até porque já o fizeram com o Japão. E chegaram mesmo a pensar em ir por aqui com a própria União Soviética, fruto da loucura do idiota perigoso que era o general Curtis Le May.

Por ser esta a evidentíssima realidade, custa-me perceber os objetivos do Papa Francisco, ao bater-se por um mundo sem armas nucleares. Até porque essa ausência seria sempre meramente temporária, dado que, num ápice, um qualquer outro as voltaria a possuir, passando a poder agredir quem entendesse, como se deu com o lançamento das duas bombas nucleares dos Estados Unidos sobre o Japão. A desnuclearização, como facilmente se percebe, seria sempre marcada por uma forte instabilidade sistémica, de pronto se voltando, talvez com uma outra distribuição, à situação atual.

Impõe-se que Francisco pondere as palavras de Paul Craig Roberts, antigo Subsecretário da Economia de Ronald Reagan: os responsáveis pela política externa dos Estados Unidos são autênticos idiotas, que bem podem levar o país a ir pelos ares. Infelizmente, o Papa Francisco mostra-se incapaz de tratar estas coisas pelos nomes. De resto, Paul Craig Roberts também aponta, pleno de razão, o fracasso da grande comunicação social e dos intelectuais. Uma realidade igualmente presente entre nós e que se deve ao triunfo neoliberal, que secundarizou tudo em favor da negociata e do lucro.

Sem espanto, fazem-se hoje apostas, nos Estados Unidos, sobre qual a cidade norte-coreana que primeiro será atacada pelos Estados Unidos. Uma realidade que decorre em paralelo com os tiroteios semanários, talvez quase diários, em locais norte-americanos os mais diversos. Tudo sempre acompanhado, com graça imediata, pelas idiotices de Donald Trump, com alguns dos seus mais diretos colaboradores a irem parar à Justiça. Um mimo! Infelizmente, perante toda esta realidade, natural e evidentemente derivada do triunfo neoliberal, o Papa Francisco, nunca tratando os bois pelos nomes, persiste em defender o caminho garantido para o regresso da guerra à Europa, naturalmente generalizada. Como são distantes as palavras da realidade das coisas...

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