O silêncio dos intelectuais ocidentais

|Hélio Bernardo Lopes|
Tendo nascido há perto de setenta anos, fui tendo a oportunidade de acompanhar a luta de muitos em defesa da liberdade e pela melhoria generalizada das condições de vida em sociedade, em ordem a que se atingisse uma estrutura digna, naquilo que, de facto, se contém na perspetiva cristã da vida.

Um dos grupos sempre na vanguarda da crítica e da ação intervencionista no sentido antes referido era o dos designados intelectuais. Era uma comunidade humana de referência, muito respeitada e por todos, olhada com grande consideração. Mesmo com riscos – variavam com o país –, faziam-se ouvir por via do seu trabalho e das posições assumidas publicamente pelos seus membros.

Objetivamente e malgrado tudo o que se foi apregoando nesses tempos mais distantes, nunca em momento algum se atingiu o risco que hoje varre o mundo. O próprio Secretário de Estado John Kerry, há poucos anos, teve a oportunidade de deixar escapar a sua perplexidade com o estado a que se chegara – não tinha ainda visto o momento que passa...–, salientando que no tempo da Guerra Fria tudo era mais previsível e seguro. Não lhe faltou razão.

Uma outra diferença, porém, surgiu em face do que se passava nesse tempo: a presença e a atitude dos intelectuais. Hoje, quase desapareceram da circulação, para mais em face dos riscos que corre o mundo e perante o cabal falhanço do modelo neoliberal e global, que acabou por acelerar a miséria por quase toda a parte, incluindo agora os lugares em tempos capazmente preocupados com a realidade social dos cidadãos.

Os intelectuais de hoje, já com uma guerra nuclear à vista, depois do que se viu com a Guerra do Iraque e das inexistentes armas de destruição maciça, o que estão é preocupados com uma hipotética vitória de Marine Le Pen, como se a mesma pudesse pôr um fim na prática da liberdade em França e assim contaminasse a catástrofe em que se transformou a União Europeia. Em contrapartida, surgem-nos nas televisões e em profusão, mas nunca reconhecendo a realidade que está em jogo e que são as terríveis consequências do triunfo neoliberal, potenciado pelo modelo global dos negócios.

Estes intelectuais também deitaram por terra a histórica tríade do fado, futebol e Fátima. O que era mau, ou alienante, ou de qualidade menor, passou a ser corrente e recebido acriticamente. Um Papa sorridente, mais próximo das pessoas, menos intelectual, mesmo sem nada realmente mudar, passou a ser um ícone mundial, também simpatizado por esse grupo de intelectuais. Intelectuais que nem reparam que Francisco nos vem apontando a iminência de um novo conflito mundial. Um conflito que terá, desta vez, o horroroso condimento das armas nucleares.

Muitos destes intelectuais, mormente em Portugal, tiveram uma intervenção forte contra o regime constitucional de 1933, bem como contra a política que designavam por imperialista do Governo dos Estados Unidos do tempo. Hoje, perante a luta norte-americana pelo controlo mundial do poder, depois de terem levado a guerra a lugares do mundo os mais diversos, esses intelectuais portugueses estão preocupados, afinal, com…Marine Le Pen!! E isto quando o dito socialista democrático Hollande deixou a França e a União Europeia no estado que pode ver-se!

Passar-se-á hoje entre os nossos intelectuais um pouco do que há dias se viu com uma palestra de Barack Obama nos Estados Unidos, onde cobrou a módica quantia de quatrocentos mil dólares... Se acaso não erro no montante. A verdade é que até do seu partido vieram críticas. Críticas mais que lógicas.

Com o mundo à beira de uma guerra nuclear, com os Estados Unidos a caminharem no sentido de dominar o mundo, com a pobreza a crescer, com a insegurança das pessoas a subir e a consolidar-se, com uma guerra religiosa a desenvolver-se velozmente, alguns dos nossos intelectuais entretêm-se nas televisões a dar palpites sobre o que dizem desconhecer com o pormenor essencial. E foi neste contexto que se pôde assistir à (aparentemente) natural passagem de Donald Trump de besta a bestial. Já sem o dito perigo comunista, com democracias a esmo, umas ditas boas, outras apontadas como más, com Francisco no trono de Pedro, com novas tecnologias, nós vamos por igual a caminho de uma catástrofe nunca vista até aqui. Dos intelectuais, no entretanto, nado surge perante tal horrenda realidade… O que haveria de chegar!

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