Mas porquê?!

|Hélio Bernardo Lopes|
Se eu fosse o líder de um Estado qualquer, sobretudo se não já uma grande potência, nunca apoiaria o desenvolvimento de armas nucleares. No que dependesse da minha decisão, ou do meu poder de influência, nunca iria por tal vereda político-militar. 

Reconheço, em todo o caso, que as lideranças dos Estados possam seguir um outro caminho. Um caminho que costuma ser determinado por condições iniciais complexas, em geral envoltas em guerras terríveis e muito mortais. Foi este, precisamente, o caso da Coreia do Norte.

Teoricamente, a Guerra da Coreia foi determinada pelo facto dos comunistas de Kim Il-sung pretenderem levar o seu regime a toda a península da Coreia. Por um acaso, foi esta a realidade. Acontece, porém, que a grande estratégia dos Estados Unidos sempre se baseou no domínio dos mares, o que pressupunha o controlo das orlas marítimas. Entre estas estava a do Pacífico. Mesmo que o povo da península da Coreia, em eleições livres, tivesse escolhido o caminho do comunismo, ainda assim os Estados Unidos de tudo deitariam mão para colocar fantoches políticos ao seu serviço na liderança dessa Coreia.

 Foi assim nas Filipinas, na Coreia do Sul, no Vietname do Sul e na extinta China Nacionalista. Entre tantos outros casos, um pouco por todo o mundo. E é sempre bom ter presente que os norte-americanos chegaram mesmo a equacionar o homicídio de Charles De Gaulle, ao saberem que a França estava a trabalhar para a obtenção de armas nucleares. Para os Estados Unidos, estas são más e perigosas, mas nas mãos dos outros, apesar de apenas eles as terem utilizado contra quem as não possuía.

Vem tudo isto a propósito da recente tomada de posição de António Guterres, a cuja luz o míssil balístico da Coreia do Norte, recentemente testado, é uma ameaça à paz e à segurança. Ao que eu respondo: mas porquê?! Será que alguém com um mínimo de conhecimentos e de bom senso conseguirá acreditar que um qualquer líder da Coreia do Norte poderá um dia vir a utilizar, sem mais, as armas nucleares e os mísseis capazes de as transportar? É ridículo! Mas o mesmo não poderá dizer-se dos Estados Unidos, até porque já utilizaram tais armas por duas vezes e sobre gente completamente indefesa.

Depois, o ora Secretário-Geral das Nações Unidas refere que esta ação viola as resoluções do Conselho de Segurança e se constitui numa ameaça à paz e segurança na região. Para lá da treta da ameaça à paz e à segurança, sem um mínimo de fundamento, a verdade é que também Israel viola, há muitas décadas, resoluções de tipo diverso das Nações Unidas. Tudo, porém, continua numa excelente. As Nações Unidas, os Estados Unidos, o Reino Unido, a França e António Guterres não se mostram preocupados com o que se passa com Israel, nem tratam a sua posse de armas nucleares e de meios militares de todo o tipo.

Mas António Guterres vai ainda mais longe, pedindo à Coreia do Norte que cumpra com as suas obrigações internacionais e regresse ao caminho da desnuclearização. Então e Israel, ou a Índia, ou o Paquistão? Com estes está tudo bem? É só a Coreia do Norte que se mostra – supostamente, claro está – perigosa para a paz e a segurança no mundo?

Já passou tempo suficiente, desde que António Guterres chegou ao alto cargo de Secretário-Geral das Nações Unidas, para se perceber que esta estrutura continua a ser uma correia de transmissão dos interesses estratégicos dos Estados Unidos. Não é já difícil perceber, de um modo indubitável, que António Guterres, de facto, nada de novo deverá ter levado para as suas funções atuais. Com Trump ou sem ele, as Nações Unidas foram sempre uma estrutura ao serviço dos Estados Unidos. E assim continua a dar-se.

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