Afinal, continua a ser uma democracia!

|Hélio Bernardo Lopes|
Muitos sentir-se-ão reconfortados quando ouvem as palavras do Papa Francisco, defendendo os Direitos Humanos. A verdade, porém, é o depois, quando se percebe, à saciedade, que nada do que diz consegue obter um avanço ínfimo.

Esta realidade é algo omnipresente em Portugal, onde os partidos que hoje suportam o Governo de António Costa, até mesmo os restantes, não se cansam de bater no regime da Constituição de 1933. Ainda nesta recente entrevista do general José Alberto Loureiro dos Santos se pôde voltar a ler manifestações de um verdadeiro horror ao tempo dito do antigamente.

Recordo bem Mário Soares, quando tratava o tempo político da II República, tentando explicar a neutralidade dos Estados ditos democráticos do mundo em face de Salazar e do Estado Novo: teria sido uma consequência do perigo comunista, e a tal ponto que até esse Portugal acabou por entrar para membro da OTAN.

Claro está que a conjetura nos dizia que Mário Soares não tinha razão, mas era precisa uma prova real. Bom, acabámos de a conseguir, agora que a Turquia de Erdogan realizou o recente referendo que o transforma no ditador que se justifique em cada momento. Erdogan passou a dispor de poderes constitucionais que Salazar nunca teve em Portugal. Porém, Salazar e a II República eram maus e antidemocráticos, mas Erdogan e a sua Turquia talvez possam ainda vir a entrar na (famigerada) União Europeia. Até porque no caso da Turquia de Erdogan o que se vem passando diz respeito à vida interna da Turquia. Isto é dito, precisamente, pelos que diziam que as democracias se portaram mal com os portugueses, tolerando, silenciosamente, o Estado Novo e Salazar... Neste sentido, Portugal não se pronuncia sobre questões de política interna… E mais: no quadro de uma democracia há várias formas políticas aceitáveis. E esta, da atual Turquia de Erdogan, é uma dessas, ao passo que a Democracia Orgânica de Salazar já o não era. Uma verdadeira pândega política.

Em contrapartida, os observadores internacionais do referendo ora realizado na Turquia, que não representam seja quem for, já nos vieram garantir que o processo não pode ser considerado como verdadeiramente democrático, entre outros motivos porque as duas partes não tiveram oportunidades iguais. Ou seja: Portugal aceita o que se passou porque se trata de problemas internos, malgrado os tais observadores nos assegurarem que o que teve lugar não foi um ato verdadeiramente democrático. A pândega, portanto.

Assim, os tais observadores salientam agora que a cobertura dos meios de comunicação social foi parcial e existiram limitações às liberdades fundamentais, e também que, em geral, o referendo não acompanhou os padrões do Conselho da Europa, sendo que o quadro jurídico não foi o adequado para a realização de um processo democrático autêntico. Para Portugal, porém, tudo isto diz apenas respeito à vida interna da Turquia.

Mas os observadores que estiveram na Turquia vão mais longe, salientando que o referendo realizou-se num ambiente político no qual as liberdades fundamentais essenciais a um genuíno processo democrático estavam restringidas devido ao estado de emergência e os dois lados não tiveram oportunidades iguais para apresentar a sua posição aos eleitores. Simplesmente, tudo isto só diz respeito à vida interna da Turquia, pelo que Portugal não tem que ter opinião. Talvez pudesse ter, mas se o caso se passasse com a Rússia de Vladimir Putin. E com a Coreia do Norte de Kim Jong-un, bom, nem vale a pena imaginar...

Continuando a seguir os observadores internacionais, mas não o Estado Português, eis que, afinal, a campanha do “sim” dominou a cobertura dos meios de comunicação social e isto, juntamente com restrições aos media, detenções de jornalistas e encerramento de meios de comunicação, reduziu o acesso dos eleitores a uma pluralidade de pontos de vista. Só que para o Estado Português tudo isto são questões internas da Turquia, pelo que não se pronuncia.

Aqui está como uma estrutura política que deixava o general José Alberto Loureiro dos Santos triste e revoltado, foi substituída por uma outra que o deixa feliz, mas que acaba por contemporizar com coisas muito mais graves que as passadas no tal velho tempo da II República. A grande diferença está em que hoje existem eleições livres. Mas em Portugal, porque a falta delas no aliado turco da OTAN – um espaço da mais ampla liberdade...– é um mero problema interno da Turquia, pelo que não nos diz respeito. Mário Soares dizia, precisamente, o contrário, em face da amplíssima tolerância dos aliados democráticos da OTAN em face de Salazar e do Estado Novo. As voltas que os interesses materiais impõem... E já agora: o que diz disto tudo João Soares, que nunca mais foi visto ou ouvido?

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