Trump, a ONU e a OTAN

|Hélio Bernardo Lopes|
Na edição de hoje do Diário de Notícias surgiu um texto de Diogo Freitas do Amaral, com o título, TRUMP E A OTAN. O seu conteúdo, porém, mostra que terá existido um erro por desatenção, porque tudo faz crer que o título real fosse, TRUMP E A ONU.

O que conta, contudo, é o conteúdo do texto do académico, pelo que me determinei a escrever este meu, mas tratando, por igual a relação de Trump com a OTAN. Até porque Diogo Freitas do Amaral, numa entrevista recente com Ana Lourenço, na RTP 3, tocou também este caso.

Claro está que a ONU não é o governo do mundo, nem sequer embrião. Sendo, portanto, um conglomerado de Estados independentes e soberanos, cada um atua em função dos seus interesses e da grande estratégia por si adotada, tendo embora em conta as limitações decorrentes da sua pertença às Nações Unidas. Nesta atitude, como se conhece da História, a omissão, a mentira, a deturpação e a força são instrumentos omnipresentes. Basta recordar, por exemplo, o que se passou, depois de terminada a Segunda Guerra Mundial, com o regresso dos Açores à plena soberania de Portugal. Ou o que se passou sempre com Israel, até pelo lado da sua própria criação e aceitação – ainda não vigorava a Convenção de Viena. Ou, mesmo no tempo que passa, com a famigerada Central Nuclear de Almaraz.

Nos termos do exposto por Diogo Freitas do Amaral – e é uma realidade –, as delegações nacionais não votam enquanto não forem autorizadas a votar, ou se não souberem como votar. Simplesmente, isto mostra que são grandes e estruturais as limitações das Nações Unidos, sendo curial colocar a questão de saber se as coisas poderão ser de um modo muitíssimo diferente. A experiência sempre mostrou que mudar será muito difícil. E isto porque a ONU não é o governo do mundo, nem sequer embrião.

Também é uma realidade conhecida a difícil relação dos Estados Unidos com a ONU. A verdade é que as forças políticas norte-americanas – não só a Direita e a Extrema-Direita – nunca poderiam olhar as Nações Unidas sem ponderarem o risco de se ver submetida a sua soberania à de outros Estados do mundo por via de decisões oriundas de sucessivas e crescentes maiorias de Estados com lugar na organização.

Por outro lado, também não custa compreender que os Estados Unidos pretendam pagar menos para o orçamento da ONU, sobretudo, em face do fantástico custo estrutural da mesma. Um tema sobre que vale a pena ler a obra, ONU – HISTÓRIA DA CORRUPÇÃO, de Eric Frattini. Se existem estruturas onde o gasto com pessoal é absolutamente fora de toda a lógica organizativa, essas estruturas são a ONU e a União Europeia. Sendo esta uma realidade conhecida de todos e sendo os Estados Unidos quem mais paga, é natural que ninguém acabe por ver com bons olhos o gasto com tais estruturas. E, acima de todos, os Estados Unidos.

Estranha, em contrapartida, é a admiração de Diogo Freitas do Amaral com a explicação a si dada por Madeleine Albright, sobre a razão de os Estados Unidos não aceitarem a jurisdição do Tribunal de Haia. Pois se não iriam aceitá-la se a aceitassem, o melhor seria simplesmente não a aceitarem! Pois não foi isso mesmo que disseram a Rússia e a China? E não faria Portugal também assim, se, por igual, fosse um membro permanente do Conselho de Segurança? Claro que sim!

Finalmente, é mui pouco provável que Donald Trump faça o que Bush disse querer fazer mas não fez. É que, como escrevi já por vezes diversas, um general não faz um exército. É minha convicção que se Donald Trump conseguisse deixar-se dominar pela loucura de abandonar a ONU e tentasse seguir a ideia que foi de George W. Bush, na pior hipótese, acabariam por matá-lo. Se as instituições deixassem de funcionar, seria esse o caminho. Ou mais para o tarde, ou mais para o cedo.

Vejamos agora o caso da OTAN, que Diogo Freitas do Amaral, naturalmente, não tratou no seu texto. Desde logo, é essencial reconhecer que Donald Trump nunca disse que, consigo na presidência, deixaria a OTAN. O que disse – isso sim – foi que os restantes Estados devem colaborar, em termos orçamentais, com o que está estabelecido e rarissimamente tem sido cumprido.

Acontece, porém, que o problema da OTAN, objetivamente, costuma ser mal enfocado. Se o que se pretende é salvaguardar a Paz, porque não se convida a Rússia a da mesma ser um novo membro? Será que a Rússia tomaria a OTAN e atacaria, por aí, os Estados Unidos ou os restantes Estados? Claro que não! O problema é outro...

Por outro lado, Donald Trump tem, de um modo para mim inquestionável, razão quando diz que a OTAN é hoje uma estrutura obsoleta. Eu mesmo vou até mais longe: a OTAN simplesmente não existe, porque sem os Estados Unidos deixaria de fazer sentido. Objetivamente, a OTAN é um comando dos Estados Unidos no continente europeu, uma vez que a Europa não tem (nem quer ter!) vontade nem capacidade para se defender. E foi a presença militar dos Estados Unidos no espaço europeu que evitou repetições das tristes sinas europeias do Século XX. Não foi a União Europeia, ao contrário do que costumam apontar os grandes beneficiários da burocracia desta estrutura hoje em objetiva falência.

Por tudo isto, seria muitíssimo lógico operar um estudo adequado à construção de uma Paz duradoura na Europa, mas através de uma concertação eficaz do espaço europeu e da sua envolvente lata: a Leste e a Sul. Permitiria tal diminuir fortemente os gastos com temas militares, sem os mesmos deixarem de estar presentes, nunca prescindindo do eixo constituído pela Europa e pelos Estados Unidos e Canadá. Todos os Estados deixariam de se ver na obrigação gigantesca da atual corrida armamentista. O problema é que isto teria a natural consequência de construir uma Paz duradoura. E serão assim tantos a desejá-la? Não creio. Mormente no domínio do complexo militar-industrial norte-americano.

Poderia, até, ir-se ainda mais longe, dando corpo, por exemplo, a uma estrutura militar formada pelos Estados do subcontinente americano e pelos da África Ocidental, deste modo gerando, quase com toda a certeza, um clima muito potenciador para a construção da Paz a uma escala progressivamente crescente. A isto seguir-se-ia algo de similar para a zona do Índico, logo a nascer, por exemplo, com a África do Sul, Moçambique e todos os Estados do cone abaixo do eixo Angola-Contracosta. A paz nasceria daqui, e com um custo imensamente menor que o atual, ligado à corrida armamentista. Raros se oporão a tais ideias, mas será que os Estados Unidos as aceitarão? Tenho as mais sérias dúvidas. E a razão é simples: a diferença entre Trump e os restantes presidentes é que aquele é um bronco, porque as regras americanas, com cambiantes, foram sempre as mesmas.

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