A nomenklatura Neoliberal Mundial

|Hélio Bernardo Lopes|
É extremamente interessante acompanhar o modo como a grande comunicação social vem tratando o desenrolar da ação política de Donald Trump. De resto, uma realidade já anterior à sua tomada de posse como Presidente dos Estados Unidos. Mas, embora sendo interessante, é também estranho a uma primeira vista. 

E é com o objetivo de tentar levantar essa estranheza que me determinei a escrever o presente texto, salientando, em todo o caso, que o mesmo deve ser olhado como o meu modelo explicativo para o que está a passar-se, não como uma verdade absoluta.

Vezes sem conta se tem podido ouvir a José Pacheco Pereira que se está a viver um tempo onde quase se tornou proibido questionar a estrutura da União Europeia, ou a política que vindo a ser imposta a todos e sempre sem um ínfimo de auscultação democrática. Bom, é a lamentável realidade. Uma realidade que Porfírio Silva tão bem sintetizou em certo momento, quando salientou que a União Europeia é como era a União Soviética, mas sem KGB.

A esta realidade, vivida ao dia-a-dia da generalidade dos povos, há que juntar o escândalo histório dos refugiados, com as miseráveis e inenarráveis condições em que a União Europeia os tem mantido. Chegou-se ao ponto, qual lepra a afastar, de pagar a Estados exteriores à União Europeia para impedirem que os refugiados aqui cheguem, a fim de pedir auxílio ou asilo. Um escândalo de desumanidade já com bastas páginas asseguradas nos manuais da História. E a tudo isto junta-se o resto: a generalidade dos povos recusa a vinda de refugiados, e os seus governantes, sempre com as eleições no pensamento, tentam salvar-se à custa da recusa do auxílio aos aflitos da vida.

Simultaneamente, os povos da União Europeia, com grau variado, deram-se conta das mil e uma tentativas de pôr um fim no Estado Social, deixando os correspondentes benefícios para a minoria que possa dar a ganhar com o seu usufruto. Ninguém já hoje duvida de que a realidade da União Europeia, autêntico barco à deriva, tem como causa principal a ganância dos que dirigem e beneficiam com este estado de coisas. E tudo sempre sem uma mínima consulta aos povos, fartos e desiludidos com esta podre realidade da União Europeia. Também aqui o tudo se tornou em nada.

Também de modo concomitante, os povos europeus aperceberam-se de que a guerra veio para ficar. Para já, aos pedaços. Ainda assim, surgem diariamente indicadores de que um conflito mundial, a iniciar pelos Estados Unidos, se foi desenvolvendo ao longo dos anos da presidência de Barack Obama. Realidades que ajudaram, de um modo determinante, a perceber esta evidência, aparentemente escondida: algo terá de estar por detrás deste caos que os Estados Unidos e o Ocidente têm vindo a gerar por todo o mundo.

Sempre dei crédito – pareceu-me sempre evidente – que um conflito de civilizações poderia vir a ter lugar, desta vez com terríveis consequências para o próprio mundo. E pensei deste modo porque isso mesmo nos ensina a História da Humanidade: a luta entre civilizações foi uma constante, embora os livros não utilizem esta palavra – civilizações. A verdade é que não faltam exemplos.

Como por igual pude já escrever, os povos carecem de valores religiosos, completamente para lá da realidade que possa situar-se por detrás dos mesmos. Ainda que Deus possa não existir, a verdade é que sempre existiu, porque assim sempre se comportaram as sociedades humanas. Para os mais velhos, mas que sejam avós, tal realidade terá voltado a surgir-lhes, porque assim se aprende nos livros de História, onde se tratam as grandes civilizações de sempre. O que nunca faltou na História foram guerras religiosas – guerras de civilizações, portanto. E hoje mesmo aí estão elas, mais ou menos disfarçadas, mais ou menos acorbertadas com as vestes consideradas taticamente as mais adequadas.

Ao longo da História e pelo meio de tudo isto, o dinheiro e a riqueza. Foi, por igual, uma realidade de sempre. Uma realidade acompanhada da subordinação de uns povos por outros, com as terríveis vicissitudes que se conhecem. Ainda assim, vicissitudes que foram diversas, mormente por via do modo de estar na vida dos povos subordinadores. A memória histórica, naturalmente, assentou as suas raízes, mais ou menos profundas, mas sempre duradouras.

Também o acaso histórico teve, naturalmente, o seu papel. Um desses acasos foi a Revolução de Outubro, que deu corpo a linhas de força política que se desenvolveram e foram criando raízes. No fundo, um movimento que se suportou numa autêntica fé de um tipo muito próximo do religioso. Apenas com a diferença de que o tempo se encarregaria de mostrar o Homem como o Senhor do próprio Planeta, levando a um estádio de desenvolvimento e de bem-estar final e sonhado por muitos. Simplesmente, também aqui a reação dos grandes interesses do tempo acabou por isolar uma tal experiência, gerando paranóias intrínsecas e isolando uma possível expansão da mesma. Erros de fundo de vencedores temporários fez surgir uma singulariade que conduziu o mundo a um estádio prolongado e profundo de destruição. Sobretudo, na Europa, embora não só.

Sobrou, depois, a Geografia com os seus ditames. Os Estados Unidos, naturalmente, assenhorearam-se do poder de controlo do mundo, porque o tal acaso assim acabou por determinar. É até interessante estudar – basta de um modo ligeiro – a distribuição dos Nobel da Física, da Química e da Medina antes de depois da Segunda Guerra Mundial. Num ápice se percebe que o centro do saber se deslocou da Europa para os Estados Unidos, ao mesmo tempo que a primeira se colocou numa posição de subordinação militar e política perante os segundos. Até a sede das Organização das Nações Unidas ficou em território norte-americano.

A verdade é que o mundo funcionou capazmente e, em mui boa medida, em paz muito alargada. Como há uns dois anos salientou John Kerry, tudo era, então, mais previsível e simples. Mas, com maior ou menor acaso, lá nos surgiu Gorbachev na extinta União Soviética. Bom, foi autêntico ouro sobre azual para os Estados Unidos, porque o novo líder comunista, no mínimo, era um idiota político. A verdade é que só em tais circunstâncias se põem os fundamentos de tudo em causa, embora em nome do seu melhoramento! Até Lenine foi alvo de críticas do próprio Gorbachev e do seu PCUS. Bom, o resultado foi o por mim exposto a Zita Seabra, numa sua palestra na Sociedade de Língua Portuguesa: ruiu tudo. Estava escrito nas estrelas.

Os Estados Unidos, naturalmente, assenhorearam-se do controlo do mundo e a um nível nunca visto, começando a levar a guerra e a defesa dos seus interesses a todo o lado. Na sua peugada, como sempre, o Reino Uunido e, bastante depois, a França. Israel avançou sobre os territórios palestinianos, percebendo-se hoje que o Estado da Palestina poderá, um dia, ficar como uma espécie de principado.

As novas tecnologias abriram o mundo aos grandes interesses e, a uma primeira vista, a todos. Só que surgiu o inesperado: a China. Ao contrário do sempre imaginado, o desenvolvimento desta foi verdadeiramente colossal. Os senhores do mundo, portanto, viram aqui uma mina, mas a verdade é que a mesma só a eles servia, porque a maioria foi caindo no desencanto e percebendo o engano em que se deixara levar. Criou-se, deste modo, um mundo suportado nos interesses, nos negócios, no dinheiro e no seu lucro, e tudo isto sem valores e sem obrigações perante quem quer que seja ou o que quer que seja. Os valores, obviamente, são os interesses (dos que os têm e comandam).

A Rússia, naturalmente, também acordou do sono para que tinha sido atirada por Garbachev e Yeltsin. Simplesmente, tudo isto no sentido inverso do entretanto imaginado pelos poderes do mundo, para lá de se perceber que uma compatibilidade entre religiões também nunca seria possível. A dívida norte-americana tornou-se verdadeiramente colossal, começando a ver-se uma perda de poder e de influência nunca imaginada. Em tais circunstâncias, que fazer? Pois, só há um caminho: a guerra. Mas uma guerra que poderá ser destruidora da própria Humanidade.

Mas basta pensar um pouco para logo se perceber que nem a China nem a Rússia estão interessadas na guerra. A segunda só teria a perder em iniciá-la. O problema está nisto: com as regras postas em vigor pelos Estados Unidos, estes já perceberam que irão perder. Mas talvez com uma guerra ainda se possa recuperar o controlo do mundo que restar. É isso que nos mostra o estudo encomendado pelo Congresso dos Estados Unidos, há perto de um mês, sobre as consequências de um ataque nuclear à Rússia e à China. Objetivamente, quem tem interesse na guerra são os Estados Unidos, que são os que estão a perder influência e poder no tabuleiro por si criado internacionalmente. Foi isto, precisamente, que gerou a fé de milhões de americanos em Donald Trump e é isso que ele agora tenta inverter, para tal exigindo o regresso aos Estados Unidos das grandes empresas dali saídas.

Muitos não terão reparado num interessante comentário surgido num grande diário nacional, onde se podia ler em título: TRUMP VENCEU, APESAR DE BILDERBERG. E tinha o autor toda a razão. Só José Manuel Durão Barroso ainda tentou fazer-nos crer que os encontros de Bilderberg eram meros momentos de troca de impressões e de comparação de experiências. A razão da derrota de Bilderberg face a Donald Trump deveu-se, precisamente, ao desencanto e ao desespero dos norte-americanos que vinham sendo vítimas da política anterior, toda ela passada e decidida em Bilderberg, ao menos nas suas grandes linhas.

As políticas assim definidas ao longo de décadas foram muito aceleradas e expandidas na sequência do colapso soviético. Geraram, pois, ecos de comando em Estados do mundo os mais diversos, originando-se, deste modo, o que designo por nomenklatura neoliberal mundial. Simplesmente, elas careciam de uma guerra a ser promovida pelos Estados Unidos, mormente sobre os seus principais adversários – ou por eles assim vistos: a Rússia e a China. A uma primeira vista, pois, a vitória de Donald Trump poderia vir baralhar este desenho, muito acelerado na presidência de Barack Obama.

Tal como pude escrever, um general não faz um exército. O que significa que Donald Trump poderá ver-se limitado em muitos dos seus objetivos. Muitos destes objetivos foram apresentados como promessas de campanha eleitoral e estão a ser postos em funcionamento. E não deixa de ser gracioso ouvir-se, já com grande frequência, que cumprir promessas eleitorais não deve ser prática a seguir. Até porque raros assim procedem...

Tudo o que tem vindo a ter lugar ao redor da eleição de Donald Trump tem tido o condão de mostrar ao mundo o que realmente é e vale a dita democracia norte-americana. De facto, uma autêntica plutocracia. Desde logo, o boicote constante dos democratas ao expectável funcionamento das instituições norte-americanas. Depois, o apoio generalizado dos grandes jornais à campanha anti-Trump, hoje a ser organizada por todo o mundo, naturalmente à luz dos interesses instalados pela tal nomenklatura neoliberal mundial. A seguir, a crítica a todo o tipo de medidas aplicadas por Donald Trump, mesmo que legais e resultantes da materialização das suas promessas eleitorais. Por fim, o próprio pedido de Barack Obama a Donald Trump, no sentido de não ser nomeado nenhum procurador especial com a finalidade de investigar o caso da utilização do servidor particular de Hillary Clinton com emails oficiais. Foi por aí que Hillary foi mantendo o mais que reconhecido contacto com o Estado Islâmico. E é bom não esquecer o comentário de certo senador, talvez com uns três ou quatro anos: agora vai ser difícil acabá-lo, porque fomos nós que o criámos. Referia-se, naturalmente, ao Estado Islâmico.

Tudo o resto tive já a oportunidade de tratar em muitos outros textos anteriores. Mas há três dados que vale a pena relembrar. Por um lado, os povos precisam de uma estrutura religiosa, havendo hoje muitas, poderosas e conflituais entre si. Por outro, uma guerra com a Rússia poderá, por igual, enfraquecer a força da Igreja Católica Ortodoxa. E, por fim, um conflito com a China também aqui poderá permitir encontrar um terreno amplo para desbravar em matéria religiosa. O resto, para lá deste meu modelo explicativa de quanto varre hoje o perigoso mundo que Obama e Hillary deixaram, fica ao encargo do leitor.

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