A entrevista de António Guterres

|Hélio Bernardo Lopes|
A SIC Notícias ofereceu-nos anteontem uma entrevista curta com António Guterres, nela questionado por Cândida Pinto. Foi uma entrevista sem grande história, mas com uma meia dúzia de pontos que importa referir. Vejamos, então, esses pontos.

 Em primeiro lugar, a entrevista deve ser vista pelo lado do entrevistado, mas também pelo da entrevistadora. Um binómio onde esta última sai claramente a perder, porque se ficou a anos-luz de temas os mais diversos e igualmente importantes. Em contrapartida, António Guterres esteve bem no modo como respondeu às poucas e muito específicas questões colocadas por Cândida Pinto. Esteve melhor, sem dúvida, Guteres que Cândida Pinto.

Em segundo lugar, depois de nos ter sido dito pelo Presidente Marcelo Rebelo de Sousa que há Aleppo e as outras Aleppos – muitas, referiu ele –, todo o horror de há muito referido pelo Papa Francisco e que varre hoje o mundo ficou cingido ao caso de Aleppo. Sendo em si mesmo já pouco, também não tratou o problema nas suas causas. Andou próximo, quando referiu que os sírios, sem ajuda externa, nunca fariam o que se tem visto, mas nem sequer tocou no início de todo este caso.

Em terceiro lugar, também nunca lhe foi colocado o historicamente essencial caso do conflito entre Israel e a Palestina, para mais agora, depois da votação da recente resolução do Conselho de Segurança e de John Kerry ter (finalmente!) tido a coragem de dizer a verdade: Israel caminha (e desde há décadas!) para a construção de um só Estado, judeu e com capital em Jerusalém. E foi esta a razão que sempre levou António Guterres e os jornalistas, analistas e comentadores a nunca abordarem este tema durante a campanha para o Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas. Além do mais, esta solução foi sempre bem compreendida no Ocidente e por este apadrinhada.

Em quarto lugar, a sempre sonhada atualização da ONU em face dos tempos de hoje. Num ápice, Guterres logo salientou que tal modernização teria sempre de tocar também o Conselho de Segurança. E não custa perceber que o direito de veto dos membros permanentes seria um dos pontos a tentar mudar, deste modo colocando de lado o poder e a influência da Rússia e da China, uma vez que a Organização das Nações Unidas é, de facto, um instrumento desde sempre ao serviço da grande estratégia dos Estados Unidos.

Em quinto lugar, aquela defesa que António Guterres fez do imperativo de uma diplomacia discreta. Infelizmente, num dia destes, o Primeiro-Ministro de Israel lá salientou que os amigos não se condenam mutuamente nas Nações Unidas. Ou seja: as determinações desta valem só para uns, não para os amigos. No caso destes lá nos surgiria a diplomacia discreta: sem nada se saber ou poder ver, qual Clube de Bilderberg, os assuntos estariam sempre a ser tratados – disctretamente, claro –, sendo essencial muita paciência. Bom, há sempre quem acredite.

E, em sexto lugar, aquele reconhecimento de que os Estados Unidos são importantes, mas não apenas por serem o principal contribuinte da ONU. Também pela importância que têm no mundo e em todo o funcionamento da organização. De resto, António Guterres já chamou a atenção para esta verdade, mas tão poucas vezes referida: o Secretário-Geral não tem grandes poderes, porque quem os tem é o Secretariado.

Tudo junto e por acúmulo, esta entrevista mostrou já que António Guterres, com as suas indiscutíveis elevadas qualidades a níveis muito diversos, pouco irá fazer de diferente do que se passou com os seus antecessores. No fundo, quem manda são os Estados Unidos. E ainda resta saber se Israel, de facto, não manda ainda mais. Pelo menos, está-se nas tintas para as Nações Unidas, que sempre se limitaram a comer e calar.

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