O que o Direito consente!

|Hélio Bernardo Lopes|
Foi sem um ínfimo de surpresa que, ao início da madrugada de ontem, escutei de Fátima Araújo, na RTP 3, a leitura de parte da primeira página da edição de hoje do i: Tribunal do Rio de Janeiro decide que Domingos Duarte Lima será julgado em Portugal por causa do homicídio de Rosalina Ribeiro. E logo se introduziam algumas considerações daquele, a cuja luz o julgamento em Portugal lhe dá menos garantias de justiça do que o feito no Brasil. Bom, não tive um ínfimo de espanto com tal notícia.

Acontece que há uma ou duas semanas atrás eu mostrei, em escritos meus, a estranheza de tanta reação portuguesa ao alegado espancamento de Rubem Cavaco, quando nada se noticiava, já num período medido em anos, sobre o homicídio de Rosalina Ribeiro. E quem diz este caso, diz o cabal desaparecimento do mundo terreno de Adelino Vera Cruz Pinto, que polícia alguma consegue encontrar, seja onde for deste mundo. Situações, pois, materializadas em grande disparidade.

A questão que tem aqui de colocar-se é esta: este caso do julgamento de Domingos Duarte Lima vir para Portugal é corrente, ou não? Estou firmemente convencido de que não é. E vou citar alguns casos publicamente conhecidos.

Em primeiro lugar, o caso do padre Frederico. Foi toda a investigação realizada em Portugal, tendo o julgamento sido realizado entre nós, com o padre a cumprir a sua pena num estabelecimento prisional português. Depois, operou-se aquela célebre fuga, mas Frederico já não cumpriu o remanescente da pena no Brasil.

Tudo isto se materializou em coisas lógicas, porque tendo o crime tido lugar aqui, em Portugal, ninguém melhor que as autoridades portuguesas disporia das condições para acompanhar todo o caso nas suas etapas processuais.

Em segundo lugar, o caso do homicídio de Carlos Castro, nos Estados Unidos. Foi ali detido, julgado e condenado o jovem Renato Seabra, que ainda hoje cumpre a sua pena num estabelecimento prisional norte-americano. É a lógica das coisas e o que, de um modo imensamente geral, sempre tem lugar.

E, em terceiro lugar, o histórico caso de Luís Miguel Militão, ainda hoje a cumprir pena no Brasil, na sequência dos homicídios de que participou e em que terá sido o mentor. Jamais passou pela cabeça das autoridades judiciais brasileiras devolvê-lo a Portugal, a fim de ser aqui julgado. De resto, é simples perceber a razão de ter de ser assim: quem julgasse estes casos nunca se encontraria convenientemente apetrechado para decidir em consciência, porque todas as dúvidas que surgissem obrigariam a ter de consultar as autoridades de um país estrangeiro e distante, o que se materializa numa fantástica perda de tempo.

Infelizmente, não faltam portugueses a cumprir pena em países estrangeiros, depois de terem sido nestes detidos e condenados. Seria lógico devolvê-los a Portugal, mas já julgados e na situação de absolvição ou condenação. Mas nunca para serem aqui julgados por algo de que fossem suspeitos num país distante do nosso.

Também não deixa de ser espantoso que Domingos Duarte Lima nos diga agora que o julgamento em Portugal lhe dá menos garantias de justiça do que o feito no Brasil. Mas como, se o seu caso, quando comparado com o de Sócrates, em matéria noticiosa se situou a anos-luz e para menos? Se de algum modo Sócrates foi já condenado ao nível da comunicação social, tal como Luís Miguel Militão ou como os filhos do embaixador do Iraque em Portugal, já Duarte Lima se viu cabalmente esquecido pela nossa grande comunicação social.

Sendo como agora nos diz Duarte Lima, bom, poderia ter-se apresentado à Justiça do Brasil. De resto, Paula Teixeira da Cruz, com razão, chegou a referir a existência de uma convenção entre os dois países que permitia, em certos casos, a extradição de nacionais. Essa convenção existe, como pude estudar, e tem por objetivo, precisamente, permitir que as pessoas em causa possam ser julgadas no lugar lógico, embora possam cumprir a sua pena no seu país de nacionalidade.

Com este caso, passa agora a ser lógico que os filhos do embaixador do Iraque possam ser julgados em Bagdade, tal como irá agora ter lugar com Domingos Duarte Lima. A uma primeira vista, tudo parece lógico e natural. Infelizmente, tudo isto nada tem de lógico, porque as mil e uma dúvidas que possam surgir aqui, em Portugal, ao redor do processo brasileiro sobre Domingos Duarte Lima levarão um tempão para serem levantadas: do tribunal para a Ministra da Justiça, desta para o Ministro dos Negócios Estrangeiros, deste para o Itamaraty, daqui para o procurador do Estado brasileiro em causa, deste para o tribunal que investigou e aqui entregue ao procurador que agora tem o caso. Segue-se o trabalho destinado a responder às questões levantadas, prosseguindo-se depois pelo mesmo caminho, mas no sentido inverso. Tudo profundamente linear, portanto...

Espero, com sinceridade, que as autoridades portugueses solicitem às suas congéneres brasileiras, norte-americanas, ou outras, no sentido de que os portugueses que cumprem penas em países estrangeiros o venham fazer em Portugal, porque se tratará, naturalmente, de um ato extremamente humanitário. E também que enviem os estrangeiros detidos em prisões portuguesas para os seus países de nacionalidade, a fim de aí cumprirem o que resta das suas penas.

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