Dúvidas

|Hélio Bernardo Lopes|
Como há dias escrevi, o tempo não para de passar, pelos sempre novos acontecimentos que se nos vão deparando, muitas vezes suscitando naturais dúvidas sobre o desenrolar de quanto está em causa por detrás dos mesmos.


AINDA E SEMPRE PINOCHET
O que pode dizer-se sobre Pinochet e os seus mil e um crimes de todo o tipo constitui-se, indiscutivelmente, num infindo folhetim. Num certo sentido, sabe-se já tudo, mas a verdade é que a justiça, naturalmente, é lenta. E por razões diversas. Desta vez é a sua viúva, Lucia Hiriart, que surgiu a terreiro, agora sob investigação por suspeitas de apropriação indevida de verbas públicas: venda ilegal de imóveis, pelos quais teria recebido cerca de 6,3 biliões de pesos.

Os imóveis em causa foram recebidos gratuitamente pela fundação Cema Chile, a que Lucia Hiriart presidiu durante mais de quarenta anos. Simplesmente, não existem registros formais desses imóveis nem da quantidade de dinheiro recebida com a sua venda. Perante tudo isto, fica-me esta dúvida: irá conseguir chegar-se a bom porto com uma dama deste quilate, só comparável com a do velho ditador criminoso? Duvido.

O JOVEM BUBEN DE PONTE DE SÔR
Num ápice, eis que por entre nós surgiu mais um caso ao redor de jovens que frequentavam um bar. Continuo sem conseguir compreender como se determinam os nossos jovens a frequentar bares, discotecas ou festivais ditos alternativos. Até mesmo outros, muito mais comuns e nada alternativos. Como é ainda possível tal tipo de escolhas?

O interessante, neste caso, é que, ao contrário da generalidade dos restantes casos, nunca a nossa GNR surgiu a expor o que quer que seja, para lá da inexistência aparente de testemunhas que tenham assistido ao que deixou o jovem no estado publicamente exposto ou queiram falar abertamente. Em contrapartida, a grande comunicação social conta uma história dos acontecimentos como se esta seja já a dada oficialmente. De tudo isto, fica-me a dúvida sobre se se virá a concluir o que quer que seja. E já agora: o anterior embaixador do Iraque em Lisboa é, ou não, de um outro grupo religioso distinto do atual embaixador? Então o tal mutismo compromissório dos nossos diplomatas e antigos ministros não encontra reciprocidade no Iraque?! E ainda: deixem-se os comentadores, e outros, de por aí andarem a tentar manobrar politicamente com este caso.

UM EXTRAORDINÁRIO EXEMPLO
Durante perto de dezoito anos fui frequentador assíduo das temporadas de ópera, na primeira noite, em São Carlos. Ao mesmo tempo, colecionei uma vastidão grande de óperas editadas pelas grandes marcas discográficas. Uma coleção que vou escutando ao ritmo por mim desejado a cada dia. Chego mesmo a estabelecer sessões, em dias sucessivos, com as muitas óperas de cada compositor. Ou melhor, dos que deram ao mundo grandes conjuntos de óperas.

Acontece que nos meus melhores tempos de São Carlos uma dúzia de óperas por temporada – anual, portanto – era o normal. Pois, eis que vim agora a saber o que se passa com o único teatro de ópera de Israel, mais concretamente em Telavive. A sala dispõe de mil e seiscentos lugares, mais de cinquenta por cento acima de São Carlos. Em cada temporada quase quatrocentos espetáculos e tudo envolvendo cerca de trezentos mil espectadores. Duvido, com toda a lógica, que uma tal situação possa ter lugar em Portugal durante os próximos cem anos.

EXPECTÁVEL DESILUSÃO
Como qualquer um atento à vida política portuguesa poderia intuir, a intervenção do líder do PSD, Pedro Passos Coelho, no Pontal, foi uma autêntica desilusão. Ainda assim, teve um ponto deveras positivo, porque permitiu que os portugueses atentos e independentes tenham percebido que o seu regresso ao poder, mesmo o do seu partido, seria sempre mais do mesmo. Mais e pior.

De resto, o mesmo se pode dizer da terrível prestação de Assunção Cristas, aqui a um ritmo quase diário, onde manifestamente não consegue transmitir um mínimo de simpatia ou de esperança aos que, por um acaso, possam escutá-la. Duvido, também nestes casos, de que existam muitos portugueses a darem um mínimo de crédito político a Passos e Cristas.

UM INEXCEDÍVEL CINISMO
Com um cinismo terrível, só muito dificilmente superado, os Estados Unidos vieram a terreiro mostrar-se muito preocupados com a aprovação, na China, de uma lei destinada a regular o trabalho das chamadas Organizações Não-Governamentais. Tinha de ser assim, como facilmente se percebe.

Este novo diploma, que entrará em vigor em janeiro próximo – dizem os americanos –, vai roubar espaço à sociedade civil na China e restringir o contacto entre pessoas e organizações nos Estados Unidos e na China. Um horror, portanto...

É preciso um grau de cinismo absolutamente acima dos máximos conhecidos, porque já poucos duvidarão de que tais organizações não acabem por tornar-se em instrumentos da política externa dos Estados Unidos e da sua CIA. Duvido que os Estados Unidos consintam numa tal realidade, mas com organizações similares islamitas, russas ou chinesas.

QUE É FEITO DOS PAPEIS DA MOSSACK FONSECA?
Pois é verdade, caro leitor: que é feito do caso dos Papéis da Mossack Fonseca? De um modo que espanta quem seja atento, este caso do jovem Ruben, de Ponte de Sôr, até já tem culpados e uma e explicações diversas de gente a mais variada que hoje pulula pelos nossos canais televisivos, mas sobre o caso dos Papeis da Mossack Fonseca o que de há muitos meses surgiu foi o silêncio...

Na última oportunidade que os portugueses tiveram de escutar algumas notícias sobre este tema o que se soube foi da existência de políticos e de jornalistas, estes apoiados e apoiando outros políticos, o setor financeiro ou secretas. E portuguesas ou estrangeiras? Ninguém sabe, embora se imagine muito elementarmente... Portanto, há que ir esperando, embora duvide de que algo se venha a conhecer publicamente..

OSCILATÓRIO HARMÓNICO NÃO LINEAR E CHEIO DE ATRITO
No meu segundo ano académico lá me surgiu o histórico movimento oscilatório harmónico linear sem atrito. No caso de muitos temas da sociedade portuguesa a situação parece um pouco a inversa: movimento oscilatório harmónico não linear e cheio de atrito. Entre muitas outras situações, surge agora de novo esta ideia de uns quantos, que por acaso é verdadeira: mais horas de Matemática por semana não servem para nada. Uma evidência fortíssima. E quem diz Matemática, diz muitos outros domínios: História, Geografia, Ciências da Natureza, Física-Química, Português, etc..

A razão de ser esta a realidade nada tem que ver com o número de horas de aulas, para lá de um mínimo realmente essencial, porque só pode saber-se se tal se desejar e só pode desejar-se aquilo de que se gosta. Quem não tiver interesse nos domínios que constituem o plano de estudos do ensino obrigatório, simplesmente desligará a sua atenção dos temas à primeira oportunidade.

IREMOS MESMO DESCOBRIR O NORTE EDUCATIVO?
O Governo criou agora um grupo que pretende traçar as linhas do que devem os jovens aprender na escolaridade obrigatória. A uma primeira vista parece lógico e útil, mas a verdade é que tal trabalho comporta, objetivamente, um cunho político e ideológico. Até mesmo religioso. E tanto mais quanto o mesmo é liderado por Guilherme d’Oliveira Martins, incomensuravelmente mais católico que socialista democrático.

Assim, quando acabar o ensino obrigatório um jovem deve ter aprendido que a formação se faz ao longo da vida e deve ter aprendido a ser um cidadão ativo, ter uma vida empenhada, socialmente consciente, cosmopolita, aberta, respeitadora, centrada nos direitos fundamentais da dignidade humana. Como escrevo antes, tudo isto parece lógico, mas a realidade poder ser assim – para uns –, ou não o ser – para outros.

Vejamos o caso, por exemplo, dos direitos fundamentais da dignidade humana. Bom, basta olhar a ordem jurídica existente em diversos países e logo se percebe que a mesma espelha uma interpretação do código religioso central ligado à história desses países. Basta recordar, por exemplo, o caso passado com o major-general Fernando Passos Ramos, cujo corpo foi interditado de estar em câmara ardente na capela da Academia Militar, dado ser evangélico. E isto em pleno Século XXI e em plena III República, encimada pela Constituição da República...

Mas importa, por igual, perceber o que se virá a entender por cidadão ativo e ter uma vida empenhada e socialmente consciente. Significa isto passar a intervir em estruturas de natureza religiosa, em nome daquelas posturas? Ou passar a constituir uma mão-de-obra social sem remuneração? Ou – quem sabe? – passar a voltar a uma espécie de serviço militar obrigatório, mesmo que sem guerra (para já)? E ninguém discute publicamente esta realidade?

Nestes termos, duvido muito do valor das consequências desta espécie de cartilha unificada e permanente para o ensino obrigatório. No mínimo, é estranho...

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