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|Hélio Bernardo Lopes| |
O caso de ontem, com os avisos do FMI e as subsequentes e autodestrutivas intervenções dos comentadores televisivos, foi um dos exemplos mais claros de como a liberdade de informar se pode transformar, em certas situações, num autêntico fator potenciador da destruição do que se diz pretender defender.
Claro está que todos hoje sabem bem do estado a que se chegou no espaço da famigerada União Europeia, mas estar constantemente a brandir más perspetivas, no lugar de serem tais temas tratados com o essencialíssimo recato, só acaba por potenciar e acelerar a desgraça que por aí deverá vir.
A natureza dos sistemas económicos e financeiros determina que não possa nunca existir muito para todos, embora seja possível, com um mínimo de boa vontade, conseguir um outro ao nível das condições de dignidade das pessoas do mundo de hoje. Lamentavelmente, ao que se assiste é ao cavar de fossos cada dia maiores, seja ao nível dos Estados, seja no das suas uniões. De resto, o essencial espírito de sacrifício individual deixou de ser visto com lógica, porque o neoliberalismo e a globalização destruíram a possibilidade de o mesmo se poder manifestar livremente em função de um bem histórico e de unidade em favor do coletivo. Sobreveio, pelo atual caminho, um espírito de egoísmo já difícil de ser ultrapassado, acompanhado da ausência forte dos valores que dão corpo à atualização histórica. Nunca se discutiu tanto e com tão péssimos efeitos.
O caso português é um dos exemplos mais significativos do que aqui escrevo. É assim por via de uma maneira muito nossa de estar na vida, mas também porque todos os obstáculos têm vindo a ser colocados à atual governação, que tentou inverter o pior que se manifestou no quadro da ação da anterior Maioria-Governo-Presidente, que acabou por quase hipotecar o futuro de Portugal, remetendo-nos para a situação de lanterna vermelha político e social, de que agora as gentes da tal União Europeia fatídica nos quer impedir de sair.
Durante quatro anos, com o beneplácito dos tais de Bruxelas, a tal Maioria-Governo-Presidente foi vendendo tudo o que havia sido criado ao longo de décadas, deixando o tesouro nacional quase vazio e a generalidade dos portugueses à beira da pobreza e sem horizontes de futuro. E por isso eu mesmo alertei um dos nossos cardeais para que, por tal caminho, acabaria por nos vir a atingir a eutanásia. Por cá, pela tal União Europeia, mesmo pelo mundo, em geral, nada funciona por via do modelo que se escolheu para reorganizar o Planeta.
Com dois netos, ambos em escolas públicas qualificadas, sem dúvida servidas por bons professores, a verdade é que se sucedem os anos letivos sem que a escola consiga veicular princípios morais e éticos essenciais à vida em comunidade. O que acaba por sobrevir é uma atitude meramente individual, caldeada aqui ou ali por amizades passageiras, e sempre centradas nos viciantes jogos de computador ou de telemóvel, a sós ou com os amigos de ocasião a distância. Sobram, neste caso, os avós restantes – os paternos –, que se vêm encarregando, com inteligência e boa vontade, de ir formando o espírito dos dois netinhos. A grande comunicação social é o que vai podendo ver-se, e a escola, mesmo boa, é como atrás se refere.
Quando a prática democrática dá acesso a quem não hesita em vender o templo, passa a estar-se como na época do histórico Porto Kopke: não há Estado nem povo que resistam. E por tudo isto vale de novo a pena relembrar algumas palavras de Salazar no Porto, no seu histórico discurso de janeiro de 1949: nunca lisonjei os homens ou as massas, diante de quem tantos se perfilam em atitudes que são uma hipocrisia ou uma abjeção. Nos dias que passam, até Erdogan se assume como defensor da democracia e da vontade popular, (supostamente) materializada no poder parlamentar (que de há muito pretende neutralizar).
Depois da destruição operada pelos vendilhões do templo – negoceiam tudo e em tudo –, é agora muito difícil levar de vencida a reposição das condições que permitem viver a vida com segurança e dignidade. É o que se vai podendo ver a cada dia que passa.