Bem pontapeados, mas profundamente europeístas

|Hélio Bernardo Lopes|
Em texto meu já publicado contei um significativo acontecimento passado em Angola, ao tempo de Silvino Silvério Marques como governador-geral, em torno das palavras proferidas por certo cônsul sueco durante uma cerimónia abanquetada.

Um acontecimento que me foi relatado por Carrusca de Castro, hoje já falecido e que havia sido funcionário do antigo Ministério do Ultramar, e que depois me foi confirmado por Ramiro Ladeiro Monteiro, em cerimónia que teve lugar no Ministério da Administração Interna, quando era ministro Eduardo Pereira.

O referido cônsul sueco, que era apreciado por todos os que consigo conviviam, tendo bebido um pouco mais que o devido, deixou sair o seu verdadeiro pensamento, que se exprimiu por estas palavras: vocês não têm capacidade para possuir uma riqueza destas. Uma frase que mostra bem a ideia que, lá bem no fundo, o senhor possuía dos portugueses, incluindo, claro está, os governantes. Os nacionais e os da província de governo-geral, que era Angola.

Mas eu mesmo vivi uma cena parecida, mesmo a entrar a Annecy, em certo sábado de há uma vintena e pouco de anos, na sequência de estar presente num encontro do Instituto de Estudos Avançados da OTAN. Viajando na viatura de certo italiano, com um casal norte-americano no banco de trás, ouvi do jovem italiano esta afirmação: vocês não têm grande qualidade, porque os agentes da PIDE já estão todos a trabalhar. Reagi, como facilmente se imaginará, e expliquei a realidade que se havia passado durante os quarenta e oito anos do regime constitucional da II República. Digamos assim.

A estes dois casos podemos juntar os telegramas que Julian Assange deu a conhecer ao mundo, enviados para Washington pela embaixada dos Estados Unidos em Lisboa, um dos quais se refere ao constante brandir dos Descobrimentos pelos políticos portugueses, fazendo um outro referência a um Exército de generais sentados. Realidades a que se pode juntar o terror em face de Francisco Louçã, mas não, claro está, sobre o PS. Poderei ainda voltar a referir a chamada de atenção de Marcelo Caetano, em certa CONVERSA EM FAMÍLIA: sem o Ultramar Português, Portugal ficaria reduzido a uma província da Europa. Hoje, infelizmente, temos esta realidade bem à vista. Uma realidade acompanhada das estimativas de Salazar no seu célebre discurso de janeiro de 1949, no Porto, no Palácio da Bolsa. É pena, mas é a realidade, que agora está a surgir-nos à superfície e com toda a força e dor.

Claro está que outros fatores se agigantam nos dias de hoje, sendo o principal deles o regresso da QUESTÃO ALEMÃ. Perante a reação britânica – relembremos Churchill e a Batalha de Inglaterra –, em face da tibieza francesa – recordemos os colaboracionistas franceses de Pétain e Laval – e olhando a recolocação da Rússia, por parte dos Estados Unidos, como a Hitler haviam tolerado Chamberlain e Daladier, nós percebemos que se aproximam momentos com contornos já conhecidos.

Indubitavelmente, a União Europeia destes dias é hoje um instrumento do controlo alemão sobre os Estados da Europa. O Governo da Alemanha, sem ser nazi, está hoje a conseguir o que Hitler sonhou mas não conseguiu com as suas intervenções militares. A situação repete-se: o Reino Unido defende-se, a França tergiversa, calando e consentindo, e os restantes Estados mostram ao mundo políticos inconformados com esta Europa, mas que perseveram em dizer-se profundamente europeístas! São diariamente bem pontapeados, mas sempre profundamente europeístas!

À beira de sanções determinadas pelas pressões alemãs e dos seus apaniguados – internos ou externos –, Portugal não chega a esboçar a fraca sugestão de há dias de Jorge Sampaio: um veemente protesto! Ao contrário: surgem diariamente, na grande comunicação social, apoios, mais ou menos disfarçados, às punições defendidas pelos alemães. E até os políticos da atual oposição acabam por satisfazer as conjeturas de Salazar naquele seu discurso no Porto. Uma verdadeira desgraça para Portugal. Uma realidade onde essa grande comunicação social acabou por transformar-se num dos coveiros de Portugal e de quase todos nós.

Numa atitude verdadeiramente patética, continua a generalidade dos nossos políticos a dizer-se profundamente europeísta, mas em torno do dito verdadeiro projeto europeu, no lugar de perceberem que tal simplesmente nunca existiu. No fundo, há uma boa imensidão de portugueses que vivem desta União Europeia de hoje. Sendo uma desgraça para a generalidade dos portugueses, esta União Europeia serve a muita gente que por aí anda e bota faladura.

Do que conheço da História de Portugal, este é o seu momento mais difícil e perigoso, só comparável ao caso do Mapa Cor-de-Rosa. E se nos mostrámos, então, incapazes de enfrentar a situação, assim se pode hoje voltar a observar. Nas duas situações, sempre com uma enorme parte da classe alta instalada alinhada com quem põe em causa o que ainda resta da independência de Portugal. Vale aqui por todos o discurso do Porto em 1949. Desta vez, em todo o caso, profundamente europeístas. Até porque o EURO 2016, aos soluços, sempre vai corrido de feição.

Espantará os mais atentos a constatação de que se tornou hoje mais difícil discutir a presença de Portugal nesta famigerada União Europeia que defender o abandono das antigas províncias ultramarinas. Afinal, a França continua com mais de uma centena de possessões ultramarinas e por todo o mundo, com a Espanha também no Norte de África e o Reino Unido em Gibraltar e nas Malvinas. No mínimo... Concomitantemente, os nossos líderes políticos históricos não aparecem. Onde está Soares, ou quem lhe conheça o pensamento? Que é feito de Eanes? E onde param os capitães de Abril? Afinal, é isto a democracia? E a constante perda da soberania de Portugal, para mais sem um ínfimo de consulta aos portugueses? Mas, enfim, temos a democracia, com o comando alemão desta famigerada União Europeia sempre a pensar em nós...

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