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|Hélio Bernardo Lopes| |
A primeira lição retirada por José Sócrates foi a de que o nível de insatisfação tinha de ser profundo para ainda assim, sem sabermos o que vai acontecer a seguir, decidir partir. Bom, é uma realidade, mas que surpreende pelo temo do verbo: ...tinha de... Fica a sensação de que tal seria desconhecido, apenas agora se nos mostrando ao vivo.
Ora, Pedro Marques Lopes, com muita tibieza, salientou, neste último EIXO DO MAL, possuir um feeling de que aquela mesma insatisfação, se pudesse ser democraticamente medida – através de um referendo, portanto –, daria resultados semelhantes em muitos outros países. Bom, eu não tenho esse feeling, tenho a certeza, sendo por isso que os interesses que dominam a União Europeia, e os que politicamente os representam, não querem referendos por nada do (quase) melhor desta vida...
Os povos europeus não são estupidamente masoquistas, pelo que não poderão nunca aceitar viver à luz de regras suportadas na incerteza e em baixíssimos salários e condições de vida. O que Sócrates e Pedro nos deveriam dizer é como podem esses povos mudar o rumo das coisas que têm vindo a ser ditatorialmente impostas.
A segunda lição tirada por José Sócrates é a de que a deriva tecnocrática é a causa principal do desencantamento do projeto europeu. Mesmo sendo isto verdadeiro como ponto inicial do que levou à decisão da maioria dos britânicos, a verdade é que esta dominância tecnocrática tem uma causa. Uma causa que não radica num erro fortuito, antes numa intenção determinada. E essa causa é que o triunfo neoliberal e a globalização secundarizaram o valor da vida e as pessoas. Até o de muitas instituições de referência da História dos Povos, como se dá, por exemplo, com a família real britânica, e que tratarei nesta A terceira lição concluída por José Sócrates é a de que este é o primeiro sinal de insubmissão à "pax germânica" em construção.
E é uma realidade, embora exista todo o tempo do mundo para que possamos perceber se toda esta decisão democrática não se saldará em nada. Hoje, num tempo sem valores nem regras respeitáveis, tudo passou a ser nada, sendo certo que deste caos acabará por sair uma ordem mais ou menos ditatorial, que deverá suceder a uma outra guerra grande: está em preparação pelo Ocidente e os sinais são já visíveis...
Acontece, porém, que outros povos tentaram evitar este caminho da submissão à "pax germânica", mas foram traídos pelos partidos da antiga Internacional Socialista e por via de sucessivas e cansativas consultas à população, até que os seus desejos escondidos fossem alcançados. Uma realidade que me traz ao pensamento Chamberlain e Daladier... Por fim, a quarta lição de José Sócrates: a única reação política à altura dos tempos é uma resposta enérgica e urgente de reforma democrática da União. É uma afirmação espantosa, porque já todos perceberam que os povos deixaram de ter poder e de poder decidir democraticamente. Veja-se, por exemplo, o completo silêncio de Soares, Sampaio, Eanes ou dos Militares de Abril sobre tudo isto, e como os principais representantes dos grandes interesses alinham incondicionalmente com todas as determinações vindas dos tais tecnocratas e dos dirigentes não eleitos. Povo? Liberdade para escolher? Democracia? Só se vier a ser assim em Marte, lá para o meio do século. Ao próprio Papa o que surpreende é o risco de balcanização da Europa!! Como se Portugal não seja um Estado há perto de nove Sócrates, fingindo não perceber o que está em jogo na União Europeia, parece não compreender que as democracias europeias, hoje, estão reduzidas a meras práticas rituais.
Tal como eu expliquei a certo conhecido meu no dia imediato ao massacre de Santa Cruz, a democracia só serve se for a Direita a ganhar. Substantivamente, a democracia acabou. Se caminhamos para uma espécie de comando mundial, porquê democracia nos Estados? E que religião virá a encimar esse novo exercício mundial do poder? Enfim, Sócrates ainda é um político, pelo que tem que se mostrar politicamente correto, apontando mudanças que os detentores reais do poder não pretendem operar. O que Sócrates não referiu é que a União Europeia é, obviamente, uma estrutura antinatural, e que por isso mesmo já não é comandável a não ser por uma via realmente antidemocrática e ditatorial. A prática dos atos democráticos – por enquanto – é que tem de manter-se, de molde a conferir ao poder uma aparente legitimidade. É bom que José Sócrates tenha sempre presente aquela frase de Marcelo Caetano numa das suas CONVERSAS EM FAMÍLIA: sem o Ultramar Português, Portugal ficaria reduzido a uma província da Europa. Haverá ainda quem duvide?