E de novo o voto electrónico

|Hélio Bernardo Lopes|
Há uns dias atrás, a propósito do Dia Mundial da Rádio, foi possível escutar algumas palavras de Francisco Pinto Balsemão aos microfones da Renascença. Por acaso, estas suas palavras até tiveram grande interesse e oportunidade, mas houve um tema que fez soar os meus alarmes. De resto, o tema em causa vem sendo tratado, volta que não volta, por políticos portugueses, mormente do PSD. Esse tema é o ligado ao dito voto eletrónico.

Tal como pude já referir, e me parece extremamente evidente, o voto eletrónico constitui-se num terrível risco para o funcionamento da democracia. Entre nós, como me parece deveras evidente, esta é uma mais que imaginável realidade. Mas vejamos alguns dados sobre tal realidade. Em primeiro lugar, a grande maioria dos portugueses nunca se bateu muito pela instauração de uma democracia. Quem era já bem adulto à data da Revolução de 25 de Abril e se tenha mostrado atento e interessado pela vida pública, facilmente aquiescerá nesta minha conclusão. Não sendo contrários à democracia, estavam a anos-luz de viver a pensar na sua chegada.

Em segundo lugar, a generalidade dos portugueses encontra-se hoje cabalmente desanimada com o modo como a III República acabou por conduzir Portugal e os portugueses. Se é verdade que a generalidade destes embandeirou em arco com a adesão à Europa, logo tiveram um primeiro choque com a entrada em circulação do euro. E, menos de vinte e quatro horas depois, os portugueses sentiram um tiro no porta-aviões da sua estabilidade, nascendo alguma dúvida forte sobre o devir.

Em terceiro lugar, os portugueses foram-se dando conta de que o nosso tão apregoada Estado de Direito não passa de simples expressão. Uma expressão que se tornou cansativa e que só serve, nos dias que passam, para criar mais má vontade contra os resultados do funcionamento da nossa III República.

Em quarto lugar, os portugueses acabaram por descobrir esta realidade extremamente dolorosa e que até não é só nossa: os bancos podem ser estoirados por banqueiros irresponsáveis, mas sem consequências quaisquer, sempre com o resto da população a ter que pagar os desmandos em causa. Uma minoria destrói, a maioria pobre ou remediada paga.

Em quinto lugar, os portugueses também descobriram que o nosso Estado de Direito Democrático retira à maioria que sempre trabalhou, mas dá a uma minoria prebendas por mera razão de circunstância política.

Em quinto lugar, os portugueses, perante o cabal desprezo da Europa pelos resultados conseguidos em eleições livres, não poderão deixar de a estas retirar o ínfimo de valor que ainda vêm tendo, à luz de uma perspetiva clubística, mas que até por aqui está a diminuir. E, em sexto lugar, perante o que se vai vendo com os refugiados e com o ignóbil comportamento dos políticos europeus, só por uma objetiva falta de lucidez se poderá continuar a dar grande crédito a meras práticas formais e rituais.

Por tudo isto, pois, o interesse dos portugueses por eleições tem vindo a perder-se progressivamente. E basta olhar a recente onda de esperança, surgida com a atual coligação parlamentar, e olhar o modo desprezível como a política portuguesa logo é vista por parte dos que realmente mandam na Europa de hoje, rapidamente apoiados por jornalistas, analistas, comentadores, patrões e oposição.

Ora, o que é que ainda faz com que as eleições portuguesas vão funcionando? Pois, a inércia da tradição e as referências simbólicas que tais atos comportam. Dessa inércia faz parte todo o mecanismo ligado ao ato de votar, que naturalmente muda logo a natureza do dia em causa. Sendo tudo isto manifestamente evidente, percebe-se que substituir o atual mecanismo de voto por voto eletrónico, sobretudo, se puder ser feito a partir de casa, ou de um qualquer computador, o pouco que resta perder-se-á de um modo acelerado.

Um dado há, porém, bem mais perigoso, e que é o que se prende com a fiabilidade de um tal sistema de votação. Se nos recordarmos da eleição Al Gore-Bush, mormente na Florida, ou os casos que se passaram com o CITIUS, ou com a e-fatura, bom, percebem-se os riscos que um programa informático como o referido por Balsemão comporta. Manipulá-lo, e um pouco por todo o País, não deve ser coisa difícil para gente sabedora.

Espero, pois, que o PS se não deixe levar por esta ideia modernista mas perigosa, tal como já aconteceu, ao tempo de Seguro, com o Tratado Orçamental. E por onde anda agora a tal leitura inteligente desse tratado? É essencial estar de olhos bem abertos para os riscos que essa ideia modernista do voto eletrónico comporta...

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