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|Hélio Bernardo Lopes| |
Conhecendo razoavelmente bem a História de Portugal, certamente com imensas glórias, eu nunca acreditei, como sempre me pareceu coisa naturalmente evidente, que dessa adesão à Europa pudesse surgir uma inevitável e imparável convergência com os que a comandavam ao tempo e que são, como se vê, os que a continuam a comandar. São hoje e assim vai continuar a ser, ao menos durante todo este século.
Surgiu depois a infeliz ideia de também adotarmos o euro. E, como certamente todos recordarão bem, bastou a sua entrada em vigor para que, qual salto quântico, de pronto o custo de vida crescesse num ápice e de modo sensível. E tudo isto, como por igual se conhece, sem que os portugueses alguma vez tivessem sido consultados.
Como é unanimemente reconhecido, sucedeu-se a destruição de boa parte da nossa estrutura produtiva – a que existia e que era a possível –, ao mesmo tempo que aqui chegava uma longa vaga de dinheiro europeu, mas que se sabe hoje não ter sido cabalmente aplicada à luz dos objetivos que estavam traçados. Uma verdadeira mina para uns bons milhares de concidadãos nossos, e tudo sempre sem um ínfimo de consequências em termos de responsabilidade.
É verdade, obviamente, que dispomos hoje de infraestruturas de muito boa qualidade, mormente no domínio rodoviário. E também ao nível de grandes estádios de futebol, mas as coisas estão longe de estar ao alcance da grande maioria dos portugueses. Mas no verdadeiramente essencial – Saúde, Educação, Segurança Social – a queda tornou-se crescente a partir de certo momento, até porque a falsa ideia de que o privado é excelente, ao passo que o público não tem qualidade, foi sendo vendida pelos jornalistas, analistas e comentadores de serviço, boa parte deles passados para a área da atual Direita e vindos das históricas Esquerdas.
Tudo isto e o muito mais que todos conhecem, praticamente sem exceção, está hoje perante os nossos olhos, que já nos mostra, sem um ínfimo de dúvida, que a União Europeia, apesar de ser hoje um barco à deriva e uma dolorosa ficção, é, afinal, quem realmente comanda os destinos dos portugueses, exigindo sempre mais sacrifícios à sua generalidade, ameaçando com perigosas qualificações das nossas capacidades e pondo completamente em causa o real valor da democracia.
Apesar de se viver hoje no dito Estado de Democrático de Direito e Social – designou-o assim, há dias, Marcelo Rebelo de Sousa –, a verdade é que se criou um desemprego que só muito dificilmente se poderá baixar – já expliquei porquê –, com a consequente criação de pobreza e de miséria e com a saída de muitas centenas de milhares de portugueses para o estrangeiro. Mas foi-se mesmo mais longe, porque é hoje muito mais difícil conseguir coragem e lucidez para discutir a presença de Portugal no euro e na União Europeia que pôr em causa a presença portuguesa nas antigas províncias ultramarinas durante a II República.
Quem tiver o interesse e a coragem de ler o discurso de Salazar no Porto, no Palácio da Bolsa – creio que em janeiro de 1957 –, nele encontrará uma fiel previsão de quanto hoje pode observar-se. Muito em especial a ligação a estratégias estrangeiras por parte da classe política fora do poder, mesmo que tais estratégias prejudiquem gravemente o interesse de Portugal e da grande maioria de todos nós.
É verdade que temos uma democracia formal, e que até não vem funcionando mal, mas estamos onde sempre estivemos: na cauda da Europa. Temos coisas que não tínhamos em 1974? Claro! Mas também nesse ano tínhamos o que não tínhamos em 1910, de resto um tempo com muito mais meios que os existentes nos séculos anteriores. Temos, até, um Nobel da Literatura, mas que logo tantos desprezaram até onde puderam.
Os portugueses podem agora ver, e bem ao vivo, o real caráter da União Europeia, para o que basta estar atento ao caso dos refugiados, à triste figura do Governo Italiano, com o esconder do seu património escultórico por razões ridículas, mas, muito acima de tudo, ao cabal desprezo dos políticos e dos burocratas de Bruxelas para com os portugueses e para com a democracia formal que por aqui se vai ainda praticando. Enfim, um lamentável destino que nos foi imposto por muitos dos que sobrevieram à Revolução de Abril.
Como disse há dias Vasco Lourenço, a propósito da vitória presidencial de Marcelo Rebelo de Sousa, a democracia também é isto. E assim digo eu: a democracia também é, como se tem vindo a ver, destruir a própria independência dos nossos órgãos de soberania, bem como o que ainda vai restando desta democracia formal. De verdade, estamos sem futuro, até porque outros assim decidem por nós. É (para uns quantos), indubitavelmente, um êxito político histórico, porque esta dita democracia acabou por ser colocada acima da própria independência do País.