A obra e a autoria

|Hélio Bernardo Lopes|
Lá terminei, neste passado sábado, poucos minutos depois da uma e meia, já almoçado, a obra literária, PAI NOSSO, de Clara Ferreira Alves. Uma obra cheia de interesse, que me prendeu a atenção desde a sua página vinte, digamos. As anteriores mostram um certo desnorte aparente, mas para o leitor. Talvez por via do mui interessante estilo adotado por Clara Ferreira Alves.

A partir daí, porém, a obra toma completamente conta de cada um de nós e vai-nos exigindo que não desistamos. Num certo sentido, impõe-se-nos como uma espécie de movimento acelerado. E depois o seu final, até mesmo o seu final mais amplo, desde a sua receção inesperada em Londres. Enfim, uma obra a não perder, que também está já a ocupar os tempos livres de minha mulher.

A obra, porém, mostra um dado que há muito identifiquei em Clara Ferreira Alves: ela tem tanto que ver com a Esquerda, mesmo com o PS, como eu com a Indonésia. Na autora, o socialismo, incluindo o dito socialismo democrático, é coisa que já lá vai. Hoje, indubitavelmente, Clara Ferreira Alves estacionou na Direita, o que facilmente se percebe no PAI NOSSO. E quem diz nesta obra, diz no verdadeiro movimento circular com que nos brinda, semanalmente, no EIXO DO MAL. Se numa semana a atual solução política era má, logo na seguinte Costa já tinha uma maioria absoluta à vista. Ainda passaram alguns segundos até um ou dois dos seus colegas lhe salientarem essa sua constante, de facto circular.

Mas passou mais uma semana, talvez a quinta da governação de António Costa, e eis que já aí estão as pragas trovejantes de Clara Ferreira Alves. Desta vez o grande tema foi Marcelo e as mudanças na Educação. Neste segundo tema o caso chega a ser caricato, porque Clara lamentou mesmo que o PS não tivesse uma atitude política distinta da anterior coligação, aparentemente esquecida que a mesma fazia e desfazia à medida da circunstância político-partidária mais conveniente.

Já quanto a Marcelo impõe-se aqui dizer alguma coisa, embora a mesma, de um modo muito geral, tenha já sido referida. Marcelo concorreu à liderança da autarquia lisboeta contra Jorge Sampaio. Nos termos incríveis que vêm sendo apontados, Marcelo tinha a tal grande experiência política, dado ter já sido secretário de Estado e ministro. E também deputado constituinte e doutor em Direito por Lisboa. Tudo, pois, muito diferente de Jorge Sampaio: nunca havia governado, não era doutor e não tinha estado na Assembleia Constituinte.

E também não tinha sido diretor de jornal algum. Nem nos tinha mostrado se sabia nadar nem a dimensão do seu tempo de sono. Tudo, pois, muitíssimo inferior a Marcelo. A verdade é que Jorge Sampaio ganhou e Marcelo perdeu. Precisamente o que depois veio a dar-se com Aníbal Cavaco Silva e Jorge Sampaio na primeira corrida presidencial daquele: mesmo sendo professor universitário, tendo já sido ministro, Primeiro-Ministro e presidido, em rotatividade, à União Europeia, Cavaco perdeu com Sampaio e por margem mui razoável. A falta de experiência política venceu, afinal, a brandida experiência no tema.

Acontece, todavia, que Marcelo nunca foi Alto Comissário de domínio algum, nem deputado europeu, nem presidiu à Assembleia-Geral das Nações Unidas, e muito menos foi Presidente da Comissão Europeia. E também não ensinou em nenhuma universidade norte-americana, como se deu, por exemplo, com Durão Barroso. Logo, cada um destes seria sempre melhor que Marcelo para representar a unidade pátria e liderar a República. Um candidato, portanto, de n-ésima escolha, sendo n um número inteiro muito elevado. O problema é que quem opera a escolha são os portugueses. E este é que é o verdadeiro grande problema.

Claro está que Clara Ferreira Alves não opta por Marcelo por ser ele o melhor – não é –, mas por ser longa a sua amizade. E também pelo facto de Clara estar já hoje completamente situada na atual Direita. Para Clara o PS foi chão que deu uvas, como usa dizer-se. Tal como as mil e uma decisões da ONU sobre o Estado da Palestina de nada servirão, porque os palestinianos nunca conseguirão atingir o seu natural direito. Se o PAI NOSSO nos mostra esta sua desistência, o EIXO DO MAL mostra-nos o seu ziguezaguear político, típico de quem nunca tendo realmente sido da Esquerda, por lá sempre se mostrou, incapaz hoje de assumir a mudança. Cada um de nós dispõe de dezenas de conhecidos ou amigos que vêm seguindo esta estrada da nossa dita democracia. Portugal e quase todos nós, como se vai vendo, estamos como se sabe.

Esta obra recente de Clara Ferreira Alves – PAI NOSSO – mostra a dificuldade da autora em aceitar a lógica, mesmo transcendente, da realidade do ninho de víboras que sempre foi o Médio Oriente – religião em demasia –, mas o EIXO DO MAL confirma que aquela revolta de compreensão já hoje atingiu Clara Ferreira Alves no domínio das suas opções políticas apregoadas. Variam ao ritmo da semana. Enfim, vou agora ler O MEU AVÔ LUÍS, de Sofia Pinto Coelho, que me foi emprestado ontem mesmo.

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