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| |Hélio Bernardo Lopes| |
Trata-se de um concidadão conhecido da generalidade dos portugueses, sobretudo, por via do seu programa de entretenimento dominical, mantido em canais televisivos diversos, de que dispôs por muito mais de uma década. Um programa que, incrivelmente, acabou por levar na onda Pedro Santana Lopes e Rui Gomes da Silva, colocando o Governo destes à beira da saída, de pronto conseguida com o histórico artigo de Aníbal Cavaco Silva, no Expresso, ao redor da boa moeda e da má moeda.
Como a generalidade dos leitores saberá – os que, por acaso, acompanham os meus textos –, eu muito raramente acompanhava o tal programa de entretenimento de Marcelo. Tal programa atravessou Governos diversos, pelo que a minha decisão não podia prender-se com questões partidárias.
Perante isto, qual foi, então, a razão daquela minha decisão, simples e natural? Muito fácil: os comentários de Marcelo não podiam ser levados a sério. De resto, teve até lugar uma histórica e significativa conversa com um amigo meu de muitas décadas, muito ligado à Opus Dei e ao PSD, que foi catedrático do Técnico. Em certo dia, almoçando perto desta escola, fiz este comentário: não tomes isto como piada, mas a verdade é que o Marcelo, sendo um catedrático do Direito, erra em quase tudo o que prevê, ao passo que eu acerto, e de um modo muito geral. De um modo quase instantâneo, o meu amigo, entre o sorridente e o espantado, respondeu: sim, mas o tipo está ali para fazer propaganda ao PSD. Bom, era a evidentíssima realidade, de resto por mim reconhecida desde sempre.
Para lá desta realidade, Marcelo, se quisermos realmente ser objetivos, não poderá nunca ser levado completamente a sério no plano político, dado que se criou de si a imagem de um brincalhão, de si podendo sair as ideias mais inesperadas. De facto, com Marcelo Rebelo de Sousa nada é previsível. E é pena, para mais depois de se ter lançado sobre António Sampaio da Nóvoa a falsa notícia de que teria apoiado a reprovação de José Luís Saldanha Sanches na sua prova de agregação, sem que nenhum jornalista tenha ainda ido buscar as declarações deste, surgidas, por essa altura, em alguns jornais nacionais. Ou que ninguém se tenha dado ao trabalho, no mínimo, de tentar escutar o que Maria José Morgado possa ter a dizer sobre este tema, com base no que ouviu ao seu falecido marido. Se, por um acaso, esta quiser ajudar a escrever a História da carreira académica de José Luís Saldanha Sanches.
Acontece, porém, que as faculdades de Direito não são como as restantes, ligados ao domínio científico. Naquelas está presente, até de um modo doentio, a aceitação de uma hierarquia de títulos académicos. O que se passou com o Tribunal de Justiça das Comunidades, preterindo uma catedrática de Coimbra em favor de um associado lisboeta, seria, com quase certeza, impensável num júri português. E poderia recordar, no sentido contrário, a histórica disputa entre o catedrático do Técnico, Alberto Abecassis Manzanares – fez uma vasta e importante escola de Hidráulica em Portugal –, e o engenheiro Pedro Nunes, ao redor de certa barragem a construir, acabando o Governo por vir a decidir a favor da proposta de Pedro Nunes. De quanto sei, isto seria absolutamente impensável num júri de Direito, tendo de escolher, para mais já com a situação colocada e discutida ao nível público, entre a proposta de um catedrático e a de um licenciado.
Significa isto um abismo profundo entre a ação política de Marcelo e a de Cavaco Silva como Presidente da República. Perante a suposta inconstitucionalidade de aspetos diversos de certo diploma, o Presidente Cavaco Silva não podia opinar, a não ser com base em pareceres que pudesse ter pedido a quem respondesse a contento. Já com Marcelo, professor de Direito, o caso é completamente inverso: com uma opinião sua, dada pessoalmente ou por notícia, de que não existiria inconstitucionalidade, uma decisão em contrário do Tribunal Constitucional seria muitíssimo difícil de conseguir. Basta olhar dois aspetos. Em primeiro lugar, naqueles casos em que o Tribunal Constitucional encontrou inconstitucionalidades, em quantos, ainda antes, Marcelo reconheceu isso mesmo? Pois, a minha resposta é simples: praticamente nenhum. E, em segundo lugar, esta questão: quantos juízes do Tribunal Constitucional foram alunos de Marcelo, ou o tiveram como membro do júri em mestrados ou doutoramentos? Porque há um dado que é certo: nenhuma destas duas questões tinha qualquer lógica se Marcelo fosse engenheiro, economista, matemático, físico, químico, etc.. No Direito é diferente...
Por fim, esta evidentíssima e mui significativa singularidade de Marcelo: é o único candidato que nada diz sobre se daria posse a este Governo de António Costa, nem se dissolverá a Assembleia da República, apenas com a finalidade de tentar voltar a dar à coligação do PSD e do CDS/PP o poder. E isto é altamente significativo...
Eu nem duvido da sinceridade das declarações de Marcelo, a cuja luz irá procurar ser o mais isento que conseguir. Mas também nunca duvidei desta realidade com Diogo Freitas do Amaral. O problema nunca esteve, acima de tudo o resto, na pessoa, mas na sua natural incapacidade para resistir às mil e uma pressões dos interesses que se acolitam por detrás do seu apoio. E Diogo Freitas do Amaral, já muito mais tarde, teve a coragem moral de reconhecer que, para lá de si, existiam forças que bem poderiam desvirtuar a aplicação do seu pensamento político. Essas forças são os radicais da Direita de abril, verdadeiros protagonistas de uma extrema-direita modernizada. Quem tiver assistido à intervenção de Paulo Rangel no programa de ontem da TVI 24, facilmente terá percebido o abismo que medeia entre uma social-democrata, como Manuela Ferreira Leite, de um radical de Direta, que é agora, indubitavelmente, Paulo Rangel.
Por fim, uma nova questão: imagine-se o leitor um general, ou um almirante, e tente simular o seu pensamento ao escutar uma intervenção de Marcelo Rebelo de Sousa como Presidente da República. Consegue compreender que pelo seu pensamento estariam a passar as mil e uma hipóteses do que, de um modo térrible, poderia passar pelo espírito presidencial? O leitor acha que iria conseguir libertar-se da imagem de comentador brincalhão que Marcelo criou ao longo de décadas? Claro que não! Um dado é manifestamente certo: Marcelo será, como Presidente da República, a naturalíssima continuação das presidências de Aníbal Cavaco Silva, embora de um modo muitíssimo mais subtil e sofisticado. O resto, está só nas mãos dos portugueses eleitores... Raul Ventura pensava exatamente assim.
