A roda da sorte, a do azar e a mentira

|Hélio Bernardo Lopes|
Na vida de cada um de nós, como na dos países, das regiões ou das cidades, existem momentos de sorte, outros de azar e, infelizmente, uma permanente mentira, que tem vindo a crescer à medida que o designado progresso vem tendo lugar. E quem diz progresso, diz a apregoada luta pela democracia e pela liberdade.

Os lisboetas tiveram um tempo de sorte com a liderança da sua autarquia por António Costa, como os sintrenses a estão a ter com Basílio Horta e como um nosso concidadão, que acabou de vencer o Euromilhões. Simplesmente, essa sorte não é absoluta, porque podem sempre surgir azares. E um dos azares da liderança de António Costa na autarquia lisboeta foi a da grande inundação do passado inverno.

A sorte e o azar, como se sabe, fazem parte da vida. E desta faz parte, por igual, a mentira, mormente por parte da grande comunicação social, hoje dominada por grandes interesses, que vai debitando e interpretando os acontecimentos do País e do mundo de acordo com conveniências próprias.

Ora, todos recordamos como essa grande comunicação social procurou explicar as tais grandes inundações do passado inverno como o resultado da incúria de António Costa e da sua autarquia. Até técnicos reputados vieram a terreiro dar explicações inutilmente verdadeiras, ou nada de mal aconteceria nunca em qualquer lugar do mundo. Bastaria a aplicação das técnicas adequadas, e tudo se resolveria.

Este meu texto, num certo sentido que se compreende, não passa de mera brincadeira, porque a generalidade das pessoas bem formadas e politicamente desinteressadas sempre se deram conta de que o que sucedeu em Lisboa nada teve que ver com a gestão de António Costa, até por ser um fenómeno muito antigo e que parece estar agora hipertrofiado em todo o mundo.

Ora, no dia de ontem, em Viseu, onde a autarquia é liderada pelo nosso amigo e antigo colega, António Almeida Henriques, lá surgiu mais uma chuvada repentina, gerando as expectáveis inundações. Não teve – a chuvada – a amplitude da lisboeta, nem ali se faz sentir o efeito da maré, mas a verdade é que as ruas ficaram alagadas, carros parados e completamente inundados, etc..

Perante uma tal realidade, se realmente existisse boa-fé da parte dos jornalistas das nossas televisões, lá teria de se repetir o espetáculo fantasista que todos pudemos observar com a cheia de Lisboa. E se da outra vez se tentou fazer crer que a culpa seria de António Costa, agora teria esta de ser de António Almeida Henriques.

Trata-se, obviamente, de dois momentos de mentira. Aliás, apenas de um, porque uma cheia numa cidade só é má se a respetiva autarquia for dirigida por António Costa ou um camarada seu. Porque sendo por António Almeida Henriques ou um seu companheiro, tudo não passou de um fenómeno natural e incontrolável. Nem os jornalistas se deram ao trabalho de entrevistar os tais técnicos especialistas, que sempre dizem existir soluções para tudo, mesmo que requeiram o orçamento de Nova Iorque.

Tal como disse atrás, este é um texto meramente brincalhão, porque não forram António Costa nem António Almeida Henriques os responsáveis por estas hecatombes, sejam elas maiores ou menores. O que estas mentiras mostram é uma das principais marcas da democracia que hoje temos, quatro décadas depois de aqui ter voltado a ser reposta. E então no tempo moral que varre hoje o mundo, bom, vale já tudo e umas botas mais. Quem tem razão é Rui Rio, ao reconhecer que a comunicação social tem tido uma responsabilidade elevada na degradação da nossa democracia. Uma evidência simples, mas fortíssima.

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